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O Líder e a Tribo

“A crispação contínua, que extrema posições na política local, tem a ver com a incapacidade das lideranças se dirigirem ao inimigo, na dimensão externa, e às vozes discordantes, no plano interno” – dizia-me Carlos Fino, numa das nossas reflexões matinais sempre acompanhadas por um café, na esplanada da universidade. As mesas enfileiradas, a dois metros de distância, desenhavam na minha mente o que poderia ser um sistema coeso em que a disrupção estaria no mesmo intervalo do que a norma. Isto é, a regra da concordância (em alguns casos de pura submissão interesseira) teria tanto valor para um líder como a anomia e o desvio de pensamento. Ninguém chega à verdade sozinho. Bem, alguns parecem que sim. Ou pelo menos, à ilusão da verdade.

Daqui fiquei a pensar se seria possível discorrer sobre isto. Deve, ou não, um líder olhar para o pensamento divergente e trazê-lo para dentro? À partida, intelectualmente, a diferença é o que permite o diálogo, a criação e o fortalecimento dos projetos. Visto como construção, todos são chamados a dar o seu contributo ao futuro. Não há nada pior do que a palavra união na boca de quem não a sente, nem a pratica. Não há tragédia maior nisto. Apenas não são dignos de serem chamados líderes. Vivem nas suas tribos. A título de curiosidade, em Roma, a tribo era fundada sobre os alicerces do parentesco da consanguinidade, a agnação, e era consolidada pela adoração aos mesmos deuses, os “penates”, os bens, a despensa que caucionavam a prosperidade das famílias. São eles, os bens, o garante do bem-estar das tribos, que asseguravam as despensas (hoje em dia diríamos, avenças, assessorias e afins) às suas “gens”.

Estas “gens” (hoje não se fala de linhagem, por mero pudor) mascaram o ideal político contemporâneo de inclusão. Da tal união que só lhes serve nos jornais e nas redes sociais. Quando se ouve que todos são precisos estamos a significar exatamente o quê? Exato, que só é necessário quem o diz. Que real cooperação existe entre os que estão na oposição e os que governam? Os que não são seus, mas que são parte? E daqueles que são seus, mas divergem da hipocrisia emanada de bocas que prostituem a palavra inclusão. “Sim, eu incluo, desde que concordem comigo”. Também manda a regra que é obrigatório aos amansados desdenharem naquele que o líder desconsidera. Na verdade, grande parte das vezes, já nem se sabe qual a razão da discordância. Já se perdeu o objetivo (muitas vezes, perdeu-se bem mais do que as metas propostas). O tempo apaga tudo. Mas as mazelas da inveja e da falta de visão pagam-se caro.

Enquanto descia as escadas, pensava em Schopenhauer: “Ninguém é realmente digno de inveja, e tantos são dignos de lástima!”. Não sei… não sei se as tribos vivem do medo de perder privilégios ou se morrem por serem incapazes de se dirigir ao inimigo e ao divergente e reconhecê-lo como seu. Se isso não for possível, torná-lo seu, que pelo menos o reconheçam. Aí si, saberemos quem é líder. O resto, é indiferente.  Mais um. Estamos perante um líder vazio de si. Um homem de palha que regula uma cúria. É líder não aquele que se rodeia das “balofadas” do elogio, mas que chama a si o divergente. Carlos Fino tem razão: os líderes têm grande dificuldade em se dirigirem ao adversário. Mas, também, há muito que a ideia de tribo foi desfeita.

 

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