“A noite é o tempo sem ninho
Passeiam-se sonhos mordidos
e caricias macias como aves
de asas ausentes
Parto sem voo
Para o interior dos teus braços
Abrigo quente onde a solidão permanece.”
Esta é a noite que a poetisa Lília Tavares personifica nos seus versos, uma noite inteira, acolhedora, maternal. Nomear a noite é dar-lhe vida. Conferir ao simbolismo do vazio e da obscuridade um sentido e uma luminosidade intensa. Os nomes desta noite são nomes de entendimento e sentimentos. A travessia é feita na direção da luz, ao encontro das madrugadas reveladoras de desejo, de encontro, de plenitude.
“Agradeço à noite o desvario inflamado do meu voo.
Como pássaro indefeso, busco repouso nas tuas mãos.
Regresso sempre a ti”
Regressar ao espaço vulnerável da noite é também entrar num lugar de silêncio, de introspeção, de busca interior. Faz-se noite no corpo, na vida, nos dias, faz-se noite quando a vida se desmorona, se desconstrói. Nesse espaço de vazio, de solitude, a alma encontra refúgio, aceitação. “A noite é o tempo de um ninho”, escreve a poetisa, como se o ninho fosse o lugar do germinar da palavra, a busca da emoção a conferir ao poema. Um ninho de aconchego, um ninho como metáfora de útero, de ventre, de reconstrução até ao momento em que a alma madura, o poema acabado, se liberta da fina membrana do isolamento e se faz comunhão com a força da luz.
Neste livro de poesia de Lília Tavares a noite é também o lugar da magia, da transcendência, de encontros extrassensoriais:
“Quando se toca com a mão na ponta de uma estrela?
Uma vez
Na vida toda
Esse momento vale pela essência
A estrela, a mão, a vida.
Nunca mais se perde o aroma dessa mão.
Na noite
Da estrela.”
A estrela que guia que aconchega, a estrela como luz que ilumina, como mão que acalenta, como aroma que seduz, como essência que alimenta. A estrela como voz longínqua que guia, que enaltece.
“Nomes da noite” são poemas de luz, de sensibilidades de subjetividades, de simbolismos. A procura através da poesia sinestésica uma cumplicidade entre a palavra e as sensações. Dicotomias entre um estado de sensorial e material, entre luz e obscuridade.
“E porque a noite não tem limites
Alargo o dia e faço-me dia
E faço-me sol porque o sol existe
Mas a noite existe
E a palavra sabe-o.”
(António Ramos Rosa)
Em comparação com o grande poeta português António Ramos Rosa, também a poetisa Lília Tavares personifica a noite e os seus simbolismos em espaços de luminosidade, sem nunca esquecer que entre a noite e o dia, a luz e a sombra há um espaço que não é de todo invisível, mas que unifica e confere sentidos às palavras, à vida, à poesia.
“Nomes da noite” de Lília Tavares
Coleção a água e a sede, Edições Modocromia, 2019