Mudar o mundo começa em casa: as mensagens de Marcelo e Montenegro para 2025

As mensagens de Ano Novo de 2025 do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e do Primeiro-Ministro, Luís Montenegro, oferecem perspectivas complementares sobre o momento atual em Portugal, e até do mundo neste momento. Ambas destacam temas de relevância coletiva e individual, mas é no discurso do Primeiro-Ministro que encontramos um apelo incisivo à responsabilidade individual como motor de transformação social.
Luís Montenegro defende, e bem, que “a mudança começa dentro das quatro paredes de uma casa”, o que reflete uma frase carregada de implicações psicológicas e filosóficas. Essa visão ecoa os princípios do estoicismo, que defendem que a base de qualquer transformação do mundo em que vivemos está na capacidade de cada indivíduo gerir aquilo que está sob seu controlo — nomeadamente pensamentos, ações e escolhas.
Por outro lado, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa adota um tom conciliador e esperançoso, apelando à solidariedade e ao papel do Estado em momentos de adversidade. Este foco na responsabilidade coletiva não contradiz a ênfase de Montenegro na responsabilidade individual; antes pelo contrário, ambas podem ser vistas como duas faces de uma mesma moeda, tal como são a vulnerabilidade e a resiliência. O desenvolvimento de uma sociedade mais equilibrada requer que os indivíduos assumam seu papel enquanto agentes de mudança dentro de suas comunidades e lares, mas também que o Estado crie condições para que essas transformações sejam sustentáveis.
O papel do Estado é contribuir para desenvolver e empoderar essas competências em cada um de nós, enquanto cidadãos. A superioridade moral ilusória com que muitos políticos colocam com as suas ideologias radicais à esquerda ou à direita, exige debate e conversa madura das diferentes formas de viver, com crenças e valores diferentes entre nós. No âmbito da Psicoterapia Interpessoal, também encontramos ressonância nessa ideia: as mudanças mais significativas frequentemente decorrem de pequenas ações conscientes, tomadas no contexto de relações interpessoais que sustentam ou desafiam padrões de comportamento. Um psicólogo ou médico não é nunca nenhum guru de superioridade moral ilusória que diminui quem está vulnerável para criar dependências, tal como um Estado não deve ter esse papel de criar dependência, mas sim de empoderamento para a autonomia e independência.
Sejamos como o Deus mitológico Prometeus que deu o fogo dos deuses ao povo.
O Estoicismo e a Responsabilidade Individual
Do ponto de vista estóico, a noção de que o poder está associado a cada um de nós remete à virtude da autarquia (o domínio de si mesmo), a capacidade de ser autossuficiente nas nossas escolhas morais e comportamentais. A frase de Luís Montenegro convoca os cidadãos a refletirem sobre como as suas escolhas diárias afetam o coletivo — uma ideia que também se alinha com o conceito de responsabilidade individual defendido na Psicoterapia Interpessoal ou qualquer modelo científico de intervenção em Psicologia. A transformação começa com pequenas mudanças de comportamento e, a partir dessas ações, criam-se ondas que impactam relações e, eventualmente, toda a sociedade, como um efeito borboleta.
Também recorrendo à psicoterapia psicanalítica, com a sua ênfase em compreender as dinâmicas inconscientes, podemos trazer à consciência insights valiosos aqui. A afirmação de Montenegro sugere que muitas vezes projetamos a responsabilidade para fora de nós mesmos — para o governo, para as instituições ou para os outros. Ao fazê-lo, desenvolvemos raiva, ódio, frustração, ansiedade, entre outras emoções negativas, porque quanto mais rejeitamos a responsabilidade do que está ao nosso alcance para evitar a culpa, mais vítimas e menos competências teremos para mudar, criando dependências desnecessárias ou fardos aos outros. Reconhecer e recuperar essa responsabilidade pode ser um processo desafiante, mas é essencial para um sentido mais profundo de autonomia e competência.
A Autonomia Como Fator de Crescimento
Enquanto psicólogo, no meu trabalho clínico e organizacional, frequentemente encontro pessoas que ignoram ou boicotam as suas capacidades, e subestimam o seu próprio poder de mudar as suas circunstâncias. A ideia do Primeiro-Ministro Luís Montenegro de que cada casa é um centro de mudança, pode ser traduzida em ações concretas: criar espaços para o diálogo, cultivar relações mais saudáveis e assumir compromissos pequenos, mas consistentes. Ensinar a pensar socraticamente e não de forma doutrinária que cria medo e inibe o raciocínio livre entre nós. Essas mudanças internas são os alicerces de transformações externas mais amplas.
Contudo, é crucial reconhecer os desafios sociais que muitos enfrentam, algo que o Presidente Marcelo abordou no seu discurso. Uma abordagem que equilibra a responsabilidade individual com a justiça social é fundamental. O estoicismo ensina que a verdadeira sabedoria está em aceitar o que não podemos controlar, ao mesmo tempo que fazemos tudo o que está ao nosso alcance para melhorar o que está à nossa volta.
Gastar energia com o que não controlamos é inútil e só nos afunda em preocupações e emoções negativas. Gastemos energia no que está ao nosso alcance.
Conclusão
As mensagens de Ano Novo de Marcelo Rebelo de Sousa e Luís Montenegro oferecem um convite à reflexão e à ação. Enquanto o Presidente sublinha a importância da solidariedade e do papel das instituições, o Primeiro-Ministro lembra-nos que o ponto de partida para qualquer mudança significativa é dentro de cada um de nós, e depois na nossa casa e só depois no mundo.
Porque o mundo somos cada um de nós.
Em última análise, é na intersecção entre responsabilidade individual e coletiva que encontramos o potencial para criar um futuro mais equilibrado e próspero. Seja através da filosofia estóica ou dos modelos da ciência psicológica, a mensagem é clara e resume-se a duas ideias que exponho e fundamento no meu terceiro e mais recente livro “mudamos pelo que fazemos”: a primeira, é que a vida é o que fazemos com o que nos acontece, e a segunda, é que o futuro é moldado pelas ações que escolhemos tomar hoje.
Aceite o que tem de ser, faça o melhor que pode, na condição que tem.
Um abraço estóico,
Ivandro Soares Monteiro
Psicólogo Clínico & Psicoterapeuta doutorado
Professor Universitário @ICBAS
Psicólogo das Organizações | Associate partner CROWE PT
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