Mobilidade urbana e qualidade de vida: repensar o uso do automóvel em Braga

Todos os dias, o stress para levar os filhos à escola, cumprir os objetivos do trabalho e outras obrigações, leva a que andemos sempre a uma velocidade “cruzeiro” e nem tenhamos tempo de reflexão e questionemos se não podemos fazer as tarefas diárias de outra forma. A qualidade de vida nas cidades depende muito da mobilidade urbana e, acompanhando os debates nas redes sociais, ficamos com a perceção de que um número significativo de pessoas não consegue encontrar alternativas para se deslocar na cidade de Braga ao automóvel, como também se acomodou ou mesmo aceita os acidentes e até a mortalidade como uma inevitabilidade do crescimento da população. É inaceitável que aceitemos como natural que, para nos deslocarmos numa cidade, tenhamos que aceitar que vidas de pessoas sejam sacrificadas para que tenhamos o “conforto” de seguirmos as nossas vidas stressadas, como pequenas “máquinas”, sem saborear, ouvir a vibrante cidade que nos rodeia.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) afirma que as mortes por acidentes de viação continuam a aumentar, sendo a principal causa de morte de crianças e jovens entre 5 e 29 anos. No Relatório Diário de Sinistralidade da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR), temos uma média de 29 acidentes por dia, 1 morte a cada oito dias, e 1 ferido grave a cada um dia e meio. Em Braga, só em 2025, já houve 591 acidentes, 4 mortes e 5 feridos graves. A perda de uma vida é demasiado importante para ser aceita de ânimo leve, devendo ser uma prioridade de todos criar uma cultura de zero acidentes.
Braga vive ainda sob o paradigma visionário de Santos Cunha, na criação de grandes avenidas para automóveis, quando não havia automóvel, e quando os desafios da mobilidade de hoje são muito diferentes. O automóvel em Braga é hoje utilizado de forma excessiva e predominante. Eu estou à vontade para abordar este tema porque sou profissional da indústria automóvel e reconheço que hoje muitos de nós deslocamo-nos de automóvel, curtas distâncias, quase como se quiséssemos ir de Braga ao Porto e fossemos de avião. As pessoas precisam de reaprender e desfrutar as suas deslocações a andar a pé. Quando hoje, no planeamento das cidades, se fala nas ‘Cidades 15 minutos’, que não é mais do que os serviços básicos deverem estar a 15 minutos a pé, no casco urbano em Braga isso existe.
Um dos exemplos, para uma mentalidade fora dos nossos tempos, são as recentes alterações na Avenida da Liberdade, onde muitos contestam as áreas colocadas para bicicletas e a redução do espaço do automóvel, argumentando que não veem ciclistas a circular por lá, ou que com estas “novas políticas” a autarquia quer obrigar toda a gente a deslocar-se de bicicleta, ou mesmo que estão a reduzir a liberdade de escolha na mobilidade. Imaginem que retirássemos os passeios porque as pessoas não circulam por lá. Por exemplo, em Oxford, a ‘Avenida da Liberdade’ de lá, os automóveis não podem circular entre as 7:00 e as 19:00. Dar opções de mobilidade é criar infraestruturas para que as pessoas encontrem alternativas ao automóvel, como circular a pé, de bicicleta ou de transportes públicos. Os paradigmas mudam consoante os desafios, e tem que haver coragem política de saber liderar o debate público e persuadir os residentes a fazerem as mudanças necessárias.
Outra causa de sinistralidade em Braga é a velocidade permitida aos automóveis no perímetro urbano. O limite de 30 km/h deveria ser regra, não exceção. Estudos mostram que limites de 30 km/h em áreas urbanas reduzem acidentes e fatalidades, com uma diminuição média de 23% nos acidentes rodoviários, 37% nas mortes e 38% nas lesões. Velocidades mais baixas proporcionam mais tempo de reação para os condutores, crucial para evitar colisões. A gravidade dos acidentes é menor a 30 km/h. Muitos portugueses têm conduções agressivas, focando-se demasiado na prioridade em vez de facilitar a condução aos outros. É necessário apostar em campanhas de sensibilização para uma condução mais defensiva e tolerante. Quando conduzimos, devemos ter atenção redobrada aos veículos mais vulneráveis: automóveis aos ciclomotores, bicicletas e peões; ciclomotores às bicicletas e peões; bicicletas aos peões. Em Oxford, a maioria dos radares estão nas zonas urbanas para evitar atropelamentos.
Uma das deslocações dos automobilistas é para levar os filhos às escolas, criando caos à hora de início e fim das aulas. Na escola da minha filha, implementaram há mais de 3 anos o conceito de “Rua Escolar” (“School Street”), onde os automóveis não podem circular nas ruas adjacentes à escola nos períodos de início e fim das aulas. Isso torna as ruas mais seguras para as crianças, evitando que inalem gases dos automóveis, incentivando os pais a deslocarem-se a pé ou de bicicleta, e proporcionando mais autonomia às crianças. Mesmo os pais que se deslocam de automóvel minimizam o caos no trânsito devido ao estacionamento mais disperso. Medidas como “Rua Escolar” estão ligadas ao conceito de “Bairro”.
Para combater o congestionamento nos centros das cidades, é essencial investir em outras opções de mobilidade além do automóvel, como transportes públicos, e criar parques de estacionamento nas periferias com ligações ao centro. Oxford foi pioneira no Reino Unido na criação de parques de estacionamento nas periferias na década de 1970. Outras das ideias que deveriam estar na agenda política bracarense seria a ligação ferroviária entre Braga, Vila Verde, Amares ou mesmo Póvoa de Lanhoso.
Conclusão
A mobilidade urbana é um fator crucial para a qualidade de vida nas cidades. Em Braga, é necessário repensar o uso excessivo do automóvel e promover alternativas mais sustentáveis e seguras. A implementação de limites de velocidade mais baixos, a criação de infraestruturas para bicicletas e peões, e a promoção de transportes públicos eficientes são passos fundamentais para reduzir acidentes e melhorar a qualidade de vida. É essencial que haja coragem política e uma mudança de mentalidade para que possamos construir uma cidade mais segura, saudável e agradável para todos.
Tiago Corais
Bibliografia:
Novo estudo analisa impacto dos limites de 30 km/h nas Cidades Europeias – PRP
Reduzir velocidade máxima para 30 km/hora diminui acidentes nas cidades europeias
How Oxford led the way to create Park and Rides | Oxford Mail