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Miguel Rocha: a polifonia e o social no teatro

Fundador e diretor da Cia de Teatro de Heliópolis, Miguel Rocha vem, há quase duas décadas, desenvolvendo trabalho de amplo viés artístico e social, produzindo teatro numa região marcada por grande exclusão social, na capital paulista. As onze montagens do grupo, pautadas por arguta leitura de nossas mazelas sociais e por depurada estética, o tornaram conhecido e respeitado pelo público e pela crítica.

Quando surgiu seu interesse pelas artes cênicas?

Tudo começou quando vi uma peça na escola, foi amor à primeira vista.

A Cia de Teatro de Heliópolis foi fundada no ano 2000, com a peça A Queda Para o Alto. Como se deu o processo de formação de um grupo de teatro com jovens da comunidade de Heliópolis?

Eu queria montar o texto A Queda para o Alto, de Sandra Mara Herzer, adaptado para o teatro, pois achava que aquele texto tinha muito haver com a realidade de Heliópolis. Isso era inicio dos anos 2000 e tinha um número muito alto de rebeliões na antiga Febem (Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor) e as questões que se apresentavam naquele texto me interessavam muito. Comecei um diálogo com uma associação de Heliópolis, que trabalhava com jovens na montagem dessa peça, além de amigos moradores da comunidade, que também convidei para participar do espetáculo.

Após Sutil Violento, a Cia de Teatro de Heliópolis encenou Medo, baseada nos atentados ocorridos em 2006, na capital paulista, mostrando a violência urbana e policial da maior cidade de nosso país. Como foi o trabalho de pesquisa para o espetáculo?

O processo de pesquisa se deu por meio de leituras de matérias jornalísticas da época, livros, filmes, entrevistas e memórias dos participantes do processo de criação.

Como se dá a preparação corporal para os espetáculos da Cia de Teatro de Heliópolis?

Temos aprofundado nossa pesquisa corporal que está também relacionada a cada tema que pesquisamos. É um trabalho contínuo com uma preparadora corporal e, dependendo do que vamos desenvolver, convidamos um profissional da área do corpo, como mímica, dança, para trabalhar questões específicas.

Ao observarmos a trajetória do grupo, percebemos que a questão da violência é recorrente em todas as suas produções. Infelizmente, a violência em nosso país é muitas vezes encarada como algo banal e natural. Há algo de biográfico no trabalho de vocês?

Em alguma medida, o teatro que fazemos tem uma relação com nossas vidas e como somos moradores de Heliópolis, com seus aspectos arquitetônicos e suas memórias.

Qual é o público da Cia de Teatro de Heliópolis?

A nossa percepção é que temos um público advindo do bairro, mas também de todas as demais regiões da cidade.

Como se dá o processo de pesquisa e construção dos espetáculos da Cia de Teatro de Heliópolis?

Nossa pesquisa vem de um tema escolhido pelo coletivo e a partir daí desenvolvemos uma série de atividades que vão nos oferecer variados pontos de vista sobre o tema. Para isso, realizamos leituras, palestras, encontros com provocadores, assistimos filmes e fazemos pesquisas de campo. Essas atividades são alimentos para nossas criações em sala de ensaio.

A sede da Cia de Teatro de Heliópolis fica na Casa de Teatro Mariajosé de Carvalho, no bairro do Ipiranga. Quando e como vocês decidiram ocupar esse espaço e transformá-lo em teatro? Pode nos contar quem foi e qual a importância de Maria José de Carvalho para o teatro brasileiro?

Ocupamos a Casa de Teatro Mariajosé de Carvalho no ano de 2009, por conta da necessidade de ter um espaço de estudo e criação. Mariajosé de Carvalho foi uma ensaísta, pianista e a primeira professa de voz da EAD (Escola de Arte Dramática da Universidade de São Paulo).

Vivemos um momento crítico para a área cultural, com cortes e congelamentos de verbas pelo governo. Como você analisa a indiferença do poder público em relação ao teatro?

É de uma tristeza profunda todo esse retrocesso que estamos vivendo, mas penso que este período, por mais doloroso que ele seja, vai passar e junto com as cicatrizes ficarão muitos aprendizados.

O que considera os principais desafios enfrentados ao dirigir um espetáculo?

A criação de uma obra coletiva em um coletivo polifônico, dando vazão a essas vozes.

De que forma a sua experiência de vida se reflete em seu trabalho de diretor?

Tudo que está à minha volta, em alguma medida, influencia minha criação, principalmente como morador de Heliópolis.

Com quase duas décadas de existência, que balanço faz da trajetória da Cia de Teatro de Heliópolis?

Resistência, resistência e resistência. Ao longo desses quase vinte anos, foram muitas as dificuldades, mas elas nos trouxeram muito aprendizado e amadurecimento de nosso trabalho. Nesse período, criamos onze espetáculos, conseguimos parceiras com Governo do Estado de São Paulo e hoje estamos ocupando a Casa de Teatro Mariajosé de Carvalho, onde podemos fazer as nossas pesquisas e apresentar nosso trabalho e o trabalho de outros coletivos, em intercâmbio com outros grupos.

Sobre os autores da entrevista: Angelo Mendes Corrêa é doutorando em Arte e Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), professor e jornalista. Itamar Santos é mestre em Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP), professor, ator e jornalista.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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