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Julieta de Godoy Ladeira: criadora de desafios

Injustamente esquecida e há anos com sua obra fora dos catálogos das editoras, a escritora Julieta de Godoy Ladeira, falecida em 1997, após quase quatro décadas dedicadas a uma prolífica carreira de escritora, publicitária, professora e jornalista, é prova do quanto ainda somos um país cuja memória é tênue.

Vinha de sua infância o gosto pela literatura. O pai, um português que cultivava a leitura, fazia-a ler em voz alta trechos de obras de Camilo Castelo Branco e Alexandre Herculano. A mãe, amante de poesia, foi a responsável por suas primeiras leituras de poetas brasileiros. Aos 11 anos escreveu e dirigiu na escola em que estudava uma peça de teatro.

Formada pela Escola Superior de Propaganda e Marketing, da qual seria professora por muitos anos, bastante jovem ainda tornou-se redatora-chefe da J.Walter Thompson. Costumava dizer que a propaganda a ajudara enxugar a linguagem na literatura.

Sua estreia em livro deu-se com o livro de contos Passe as Férias em Nassau, em 1962, que lhe renderia o Prêmio Jabuti. O primeiro romance, Entre Lobo e Cão, apareceria em 1971, chamando atenção da crítica. Hermilo Borba Filho destacaria: “a mais importante façanha dessa escritora paulista, parece-me, é aliviar ao seu monólogo de caráter psicológico, intimista, lírico ou dramático, a visão do mundo que a cerca dentro de uma estética que se poderia qualificar de neo-realista, com parentescos bem próximos do noveau roman…”

Em 1977, com Osman Lins, de quem se tornara esposa em 1965, escreveu La Paz Existe?, resultado das impressões de ambos a partir de viagens pela América Latina.

A morte do marido, em 1978, lhe deixaria marcas definitivas e enquanto viveu reverenciou sua memória com raro carinho e dedicação. Em O Desafio de Criar, um de seus últimos livros, deu um depoimento de como conheceu Osman:” Eu estava lendo O Fiel e a Pedra e numa tarde Ricardo Ramos me telefonou dizendo que Osman Lins se encontrava em São Paulo. Eu o imaginava em Paris ou em Recife, como os jornais noticiavam. Lendo o romance e tendo algumas dúvidas, conversara com o Ricardo a esse respeito. Ele conhecia o Osman, eu não. As dúvidas ligavam-se à figura de Teresa, personagem de O Fiel e a Pedra. O marido de Teresa, Bernardo, enfrenta uma série de situações perigosas. Ela sempre o acompanha moralmente, mentalmente, mas na hora decisiva em que precisa definir todas as coisas, ela concorda em se afastar…Para minha concepção de mulher eu não aceitava essa situação.Disse isso a Ricardo Ramos, daí ele me avisar da vinda de Osman a São Paulo… A impressão que tive ao olhar  para eleficou em mim por toda vida.Seu olhar varava as pessoas. Possuia olhos azuis que atravessavam, um olhar muito profundo. Disse o que eu sentia em relação à atitude da personagem. Ele respondeu, calmo: você é de São Paulo. A Teresa é uma mulher do nordeste. A situação é diferente.”

Em 1978 publicou Dia de matar o Patrão, sobre suas experiências nos meios publicitários e em 1984 Era Sempre Feriado Nacional, histórias de rara sensibilidade, que atravessam nossos subterrâneos, sem medos ou preconceitos.

Organizadora de importantes antologias, como Espelho Mágico, na qual contos de fadas de Andersen, Perrault e irmãos Grimm são reescritos e reinventados para o público adulto. De Memórias de Hollywood, em que grandes filmes e personagens do cinema norte-americano servem de tema para sugestivas histórias e Contos Brasileiros Contemporâneos, amplo painel de obras primas de contistas brasileiros a partir dos anos 1950. Como tradutora, deixou uma excelente versão das fantásticas histórias de As Mil e uma Noites. E inéditos, Acompanhante, no qual narrou o período da doença e morte de Osman, e Agenda em Aberto, prêmio Afonso Arinos da Academia brasileira de Letras.

 

Sobre o autor do texto: Angelo Mendes Corrêa é doutorando em Arte e Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), mestre em Literatura Brasileira pela Universidade São Paulo (USP), professor e jornalista.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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