Esta sexta-feira assistimos à cerimónia de inauguração dos Jogos Olímpicos de 2024. O espetáculo que foi apresentado ao mundo teve dois aspetos muito importantes e, por causa deles, vai ficar para a História. E não é só porque os Jogos sairam do estádio para invadir a cidade de Paris.
Antes de mais nada, esta cerimónia de abertura dos Jogos foi o maior evento de promoção de um país jamais visto. Foram quatro horas a lembrar ao mundo quão bela é Paris, mas, sobretudo, recordar o ‘soft power’ deste país que tantas coisas boas (e outras que nem por isso) deu à Humanidade. Escritores, pintores, músicos, inventores, prémios Nobel, atletas ‘et j’en passe’, atravessaram os diferentes quadros que encheram o rio Sena e as suas margens de música, imagens e paixão.
Mas o mais relevante não foi a campanha publicitária. Os franceses transmitiram os princípios que regem as democracias. Muito além da liberdade, igualdade ou fraternidade, a cerimónia transmitiu valores de democracia, de tolerância, de solidariedade e, obviamente, de paz, com uma frase-chave “Ensemble, unis pour la paix”, sem esquecer as 12 estrelas da União Europeia, demonstrando a importância da Europa para os gauleses e da França no seio dos 27.
No despertar da cerimónia, – aposto – os franceses vão dar largas à sua capacidade de ‘râler’ (em português “resmungar”, e em português de taberna, “mandar vir”). Os franceses orgulham-se de serem ‘raleurs’. Passaram, aliás, as últimas semanas a fazerem prova disso, queixando-se das ruas fechadas ao trânsito, das esplanadas com vista para andaimes e – pasme-se – de não terem conseguido alugar os seus apartamentos aos turistas a preços de xeique.
Os franceses vão mandar vir e os partidos extremistas vão criticar por tudo e por nada. Porque foi caro. Porque apareceu a bandeira europeia. Porque Aya Nakamura cantou. Porque Lady Gaga não é francesa. Porque… porque, como afirmou o presidente do Comité Olímpico Francês no discurso de abertura, “em França nunca estamos de acordo”.
Pessoalmente, continuo a preferir que os países se batam num campo de futebol ou numa pista de atletismo do que em trincheiras. Durante a cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris invadiu-me uma esperança ingénua. Esperança nos franceses, na França. Pensei nos líderes meus contemporâneos e no que fizeram e no que falharam. Mitterrand, Giscard, Chirac, Hollande e Macron (que tropeçou em covid e coletes amarelos e esqueceu que os seus cidadãos são ingovernáveis).
Que falta hoje para que a França possa continuar a dar tantas coisas ao mundo? Que os franceses moderem as resmunguices, deixem de olhar para os seus umbigos e acreditem que ‘ensemble’ podem ser um farol em tempo de tormentas.
Com toda a ingenuidade do mundo, durante os Jogos Olímpicos, “je suis Paris”.
Raúl Reis