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Janus: A Porta e o (Re)começo

Das mudanças que nunca o chegaram a ser, das transições do mesmo e dos princípios da continuidade, Janus representa o acesso a qualquer coisa que tanto tem de belo como de trágico. É ele que, na mitologia romana, define o nosso valor no mundo e que nos abre a porta ao futuro. Apesar de eu manter a minha convicção de que também a pode fechar (aliás, como é função de qualquer porta) admito alguma afetividade inerente à ideia do poder do início. Na verdade, prefiro a palavra recomeço.

Janus permite-nos fazer esse balanço de vida. Das nossas falhas. Das falhas dos outros. Dos erros e dos desacertos. Desse olhar, por cima do ombro, que nos indica o quê e quem deixamos para trás e, por outro lado, quem nos deixou cair. É a oportunidade de analisar os momentos de decisões e escolhas e as duas faces cujas vozes nos segredam ao ouvido a história de mais um ano. Mas é também o instante das expectativas que cada um de nós carrega no coração. Instante porque tende a esmorecer e a ser diluído dentro de si próprio. É a espera de que, pelo menos, o mundo seja menos severo no tempo que se segue.

Creio que em alguns casos, Janus foi entendido no sentido literal da sua figura. Ou seja, o puro senso comum diz-me que a bipolaridade corrosiva do carácter poderia ser uma influência deste deus. Mas, perante tamanha injustiça para com o divino, concluo que nenhum deus tem coisa alguma a ver com a indigência de espírito. Como diria o mais sábio dos homens, o meu pai: “É assim, filha, a inteligência e a bondade não são compráveis. Mas são vendíveis”. A miséria das ideias e a pobreza da alma são o resultado de uma condição da natureza que a educação procura combater. Há casos de sucesso na vida e episódios raros na política. Devo dizer ao leitor, mas com muita insegurança, que a maior doença dos Homens é o encerramento na vaidade que se pavoneia em cabeças desertas. Penso que nestes casos não há portas de Janus que lhes sirvam. Não tenho a certeza. Dizem que os deuses são bons. Também não sei. Alguns Homens, definitivamente, não o são. A esses as Portas estão interditas.

É verdade que Janus simboliza o princípio de uma nova caminhada, mas ele também serve para invocar a morte. Ele é começo e fim. É, ainda, o guardião da entrada no paraíso e aquele que decide quem terá acesso aos deuses. De alguma maneira, o seu trabalho é político pois protege os seus. Não sei bem se ampara os homens ou os deuses. Peço desculpa ao leitor por saber tão pouca coisa e não ter grandes respostas sobre os (re)começos. Mas há em mim, pelo menos, a crença de que Janus irá permitir que janeiro seja bem mais honrado do que os restantes meses do ano que ficaram para trás.

Das duas direções indicadas na representação de Janus ficam apontados caminhos aos que também têm duas caras, mas por razões diferentes. Aos últimos não há recomeço que lhes valha. A indignidade já lhes tomou conta do pensamento. Não é por acaso que as portas de Janus estão travadas com “trancas e aldrabões”, como refere Virgílio. É ficar, literalmente, à porta.

Sem haver acordo, entre os académicos, sobre a natureza deste Sentinela dos deuses ou deus dos deuses, Janus é a esperança no (re)começo e a mudança prometida. Ele é a unicidade do que é dual, é nascimento e morte, guerra e paz. Traz nas mãos os trezentos e sessenta e cinco dias das escolhas humanas. Com o solstício de inverno Janua, a Porta, permite-nos olhar para o passado e para o futuro compreendendo o advento da mudança. Que a jornada seja feita com passos seguros e determinados. Que nos sirva de lição a mais bela história de amor, a do homem que preenchia o quarto da sua esposa enferma de flores de todas as cores para que a doença e o mal sentissem vergonha perante tanta beleza e os abandonasse. Que se cumpra a esperança.

Bom ano e que Janus nos dê ânimo para o (re)começo.

 

 

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