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Inspiração dos valores de Abril contra a extrema-direita

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Este ano celebram-se os 50 anos da Revolução dos Cravos. Nunca como agora faz tanto sentido dar volume e profundidade à celebração dos valores de abril, quando assistimos a uma erosão perigosa das democracias na Europa e noutras partes do mundo, devido ao aumento de movimentos radicais e dos partidos de extrema-direita, nalguns casos inspirando-se abertamente nas ideologias autoritárias e fascistas.

Abril simboliza o derrube da ditadura e o fim do isolamento, da repressão política, do fim do colonialismo, da pobreza e da falta de oportunidades, para dar lugar aos valores da democracia e da liberdade, do pluralismo e do respeito pelos direitos cívicos e políticos, à esperança num país mais desenvolvido e justo.

E da mesma maneira que em 1974 a revolução de abril teve uma forte repercussão internacional, hoje os valores que ela representa podem continuar a servir de inspiração dentro e fora das nossas fronteiras.

Na década de setenta, quando se viviam profundas transformações geopolíticas, no Chile os militares instauravam uma ditadura com o derrube de Salvador Allende, um ano antes de em Portugal os militares porem fim ao regime salazarista para construir a democracia.

Seguiram-se a libertação de Espanha e de outros países na América Latina. Hoje assiste-se a regressões democráticas preocupantes: na Argentina, com Javier Milei; nos Estados Unidos, com um possível regresso ao poder de Donald Trump, mesmo depois de ter fomentado o assalto ao Capitólio; no Brasil, com a tentação antidemocrática de Jair Bolsonaro; e agora em Roma, com centenas de pessoas a fazerem a saudação fascista frente ao partido Fratelli d’Itália, da primeira-ministra Giorgia Meloni. Milei, Trump, Bolsonaro, Meloni, Le Pen, tudo figuras sinistras que são modelos para o Chega.

Faz hoje sentido lembrar os valores de abril em França, na Alemanha, na Itália, nos Países Baixos, na Suécia, na Hungria e em muitos outros países, para que as pessoas possam refletir sobre o rumo que as nossas sociedades estão a tomar.

É verdadeiramente assustadora a facilidade com que tantas pessoas aderem às ideias dos partidos extremistas, como se fosse uma coisa normal e os factos da História e os direitos fundamentais aspetos irrelevantes, o que faz lembrar o livro do historiador Christopher Walker, Os Sonâmbulos, que descreve de forma impressionante o quadro de profusão de nacionalismos e tensões que acabou por levar à eclosão da Primeira Guerra Mundial.

Em França a nova lei da imigração foi corrigida pelo Conselho Constitucional em cerca de um terço das propostas que eram uma agressão violenta à pátria dos direitos civis e ao seu lema inspirador, “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”. Causa uma enorme perplexidade e preocupação que a direita de Os Republicanos e a extrema-direita de Marine Le Pen — esta gostaria até que a lei fosse ainda mais longe — tenham apresentado inúmeras propostas que defendem o primado nacional no relacionamento com os cidadãos de outros países, atingindo não apenas os extracomunitários, mas também os que são oriundos da União Europeia, e portanto, também os portugueses, que tanto deram à França desde a primeira Guerra Mundial até aos dias de hoje.

Desta vez, alguns dos aspetos mais críticos foram alterados pelo Conselho Constitucional, particularmente quanto à obtenção e perda da nacionalidade. Mas a direita e a extrema-direita mantêm-se determinadas em voltar a apresentar propostas legislativas para endurecer a lei, o que torna incompreensível que possa haver portugueses que adiram às suas ideias identitárias e nacionalistas, pensando ingenuamente que nunca serão afetados. A facilidade na expulsão, incluindo de cidadãos portugueses, que tem aumentado consideravelmente, mantém-se.

Por isso, evocar abril nos dias que correm é falar de democracia, de liberdades, de respeito pelos outros e pelo contributo dos migrantes, é defender o pluralismo e combater os discursos de ódio, o racismo e a xenofobia, a perseguição política e os cercos aos partidos, a manipulação e a mentira, é defender o parlamentarismo, as instituições democráticas e a dignidade da vida política. E é bom que tenhamos tudo isto em conta antes que seja tarde de mais.

Paulo Pisco, deputado

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