“Funaná is the new funk” apresentado em Lisboa
O percurso do músico Dino D’Santiago serviu de base a uma tese de mestrado agora editada em livro com o título “Funaná is the new funk”, a ser apresentado em Lisboa.
A tese “Só ka bu skesi tradison. Aqui toda gente é parente! Heranças crioulas reconstituídas nas cenas de Dino D´Santiago”, que Catarina Barros Silva apresentou no âmbito do mestrado em Estudos Africanos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, foi publicada em livro com algumas adaptações.
“É a tese, mas há um capítulo que foi retirado. Como o propósito foi tentar chegar a um público mais amplo do que o da academia teve de se adaptar um pouco, mas nada de significativo”, contou a autora, Catarina Barros Silva, à Lusa.
Para escrever a tese, Catarina contou sempre com a colaboração de Dino D’Santiago.
“Isto não seria possível se eu não estivesse próxima do músico e da sua produção. É apenas possível se eu me sentar com o músico e com as dinâmicas que o envolvem. Observando, ouvindo, ouvindo muito”, referiu.
Para preparar a tese, Catarina Barros Silva fez três entrevistas longas ao músico e assistiu a alguns concertos, “entrando neles, sendo a sombra daquele artista”.
O contacto inicial foi simples: “mandei-lhe uma mensagem e ele respondeu muito prontamente e disponibilizou-se para o que eu precisasse”.
“Abriu a porta: ‘o que quiseres eu dou-te’. Desde a proximidade com o contexto até às músicas, às traduções, porque há músicas em crioulo cabo-verdiano, o Dino forneceu-me o material para eu conseguir fazer essa análise e ajudou sempre nesse processo”, recordou.
O percurso de Dino D’Santiago começa a ser contado no livro ainda antes de ele ter nascido – em 13 de dezembro de 1982, em Quarteira, no distrito de Faro, numa família de imigrantes cabo-verdianos -, recordando as suas origens.
Claudino Jesus Borges Pereira, cresceu no Bairro dos Pescadores daquela vila algarvia do concelho de Loulé, onde iniciou a ligação à música, primeiro como elemento do coro da igreja local, mais tarde como compositor e criador das suas próprias canções, em espetáculos de rap.
“Aqui é possível perceber o Dino desde o hip-hop – que acho que pode ser um pouco desconhecido – até ao dia de hoje”, referiu Catarina Barros Silva, destacando que a arte daquele músico e compositor “é uma representação do seu tempo”.
Embora tenha um lado de ativista político e social, na tese de Catarina Barros Silva, Dino D’Santiago é observado enquanto artista, “não há conotações politizadas em lugar nenhum”.
“Há apenas aqui um retrato de um passado, que é histórico, que depois se torna social, que depois dessa outra camada passa por ser político. Mas são tantas camadas. Há apenas um retrato e uma proximidade, que não é ilusória, com o passado. Há apenas uma compreensão mais profunda na materialidade de lugares e eventos que marcaram a história. E isso significa apenas que há uma relação consciente e refletiva para com esse passado. O objetivo aqui e desta arte é dialogar de forma crítica com o presente”, referiu a autora.
Dino D’Santiago, à semelhança de tantos outros músicos portugueses, passou por um programa televisivo de talentos, o “Operação Triunfo”, em 2003, para o qual levou músicas da sua autoria.
Depois esteve envolvido em projetos nos quais se fundem os universos da soul, do hip-hop e do R&B, como Dino & The SoulMotion, Nu Soul Family e Expensive, e trabalhou com músicos como Virgul, Sam The Kid, Tito Paris, Valete e Pacman.
O primeiro álbum enquanto Dino D’Santiago, “Eva”, foi editado em 2013.
Seguiram-se “Mundu Nôbu” (2018), “Kriola” (2020) e “Badiu” (2021).
Em “Badiu”, enaltece, mais do que nunca, o ‘batuku’ e o funaná, sons de Cabo Verde “que resistiram à opressão”, tal como os ‘badius’, símbolo de resistência, que homenageia com este trabalho.
Essas pessoas, explicou em entrevista à agência Lusa em 2021, são as que foram levadas dos territórios onde se situam hoje a Gâmbia e o Senegal e, posteriormente, da Guiné-Bissau para a Ilha de Santiago, em Cabo Verde, escravizadas pelos portugueses.
Os ‘badius’ foram quem “conseguiu manter a tradição dos ritmos que saíram diretamente de África e não se aculturaram tanto como os que ficaram reféns e foram depois vendidos para outros países, outros mercados”, disse à Lusa. ‘Badiu’ era um termo depreciativo, mas acabou por se tornar “um símbolo de resistência”.
Dino D’Santiago é um dos fundadores do projeto de dinamização cultural “Sou Quarteira”.
Recebeu a Medalha de Mérito da Câmara Municipal de Loulé, foi premiado pelos Cabo Verde Music Awards, e tem o recorde dos prémios Play da Música Portuguesa. Em 2010, o projeto Nu Soul Family ganhou o MTV Europe Music Award para Melhor Artista Português.
No ano passado, o Governo atribuiu a Medalha de Mérito Cultural a Dino d’Santiago, “em reconhecimento pelo contributo dado à criação musical em língua portuguesa e à sua projeção no mundo”.
Este ano, está nomeado para os Grammy Latino, pela coautoria e interpretação do tema “Esperança”.
A música, escrita pelos músicos brasileiros Criolo e Amaro Freitas com o produtor brasileiro Nave e com Dino d’Santiago, está indicada para o Grammy Latino de “Melhor Canção em Língua Portuguesa”.
Esta música, interpretada por Dino d’Santiago, Criolo e Amaro Freitas, foi gravada entre Portugal e o Brasil e editada em maio passado.
O livro “Funaná is the new funk”, de Catarina Barros Silva, editado pela Arena, é apresentado esta quinta-feira, pelas 18h30 (hora local), no Centro Cultural de Cabo Verde. A apresentação estará a cargo de Dino D’Santiago e do jornalista e crítico de música Vitor Belanciano.