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Francisco Andrade: a tradição de nossa música instrumental

Tendo começado a tocar violão aos onze anos, Francisco Andrade fundou, em 2002, o conjunto Quarteto Pererê, com o qual gravou os discos Ebulição e Balaio. Com o grupo percorreu o Brasil, a Itália e a Holanda. Um dos momentos mais importantes na história do quarteto foi o concerto que realizou, em 2011, para abrir uma das célebres aulas-espetáculo do escritor Ariano Suassuna. Historiador por formação, tem pesquisado sobre nossas linguagens musicais.

Desde quando o interesse pela música?

O interesse pela música veio aos onze anos, quando estimulado por minha mãe, comecei a estudar violão e guitarra com o mestre violonista Fernando Presta. Ele foi um excelente professor, me despertou para o campo da música de câmara erudita e para a prática de conjunto em música popular.

Pode nos falar sobre a formação musical e as maiores influências que recebeu?

Entre os professores que tive destaco Fernando Presta, Marcelo Araújo, Ruy Weber, Everton Gloeden e Paulo Porto-Alegre. Sempre foquei meus estudos no diálogo e na fronteira entre música popular e erudita. Em 2003, veio o encantamento pela viola brasileira de dez cordas, instrumento que passei a estudar como autodidata, tendo como referencia a viola de Ivan Vilela, Zeca Colares, Fernando Deghi e Renato Andrade. Em 2010, junto ao Quarteto Pererê, pude realizar um concerto ao lado do grande Ivan Vilela, no Sesc São Carlos. Guardo aquele encontro como um divisor de águas em minha caminhada musical como violeiro. Do ponto de vista da audição, minhas referências sempre foram plurais e ecléticas, desde apreciar música popular brasileira (Chico, Gil, Caetano, Jobim, Dori…), rock (Beatles, Frank Zappa, Rush, Pink Floyd…), música instrumental (Quinteto Armorial, Misha Alperin, Eberhard Weber…). Além de apreciar as obras mestras dos grandes compositores, como Bach, Josquin des Prez, Satie, Debussy, Anton Weber e Villa-Lobos. Penso que as minhas referências são refletidas nos trabalhos que participo com o Quarteto Pererê e com o Encanto de Cordas.

Como surgiu a ideia de formar o Quarteto Pererê e o que destacar em seus 13 anos de existência?

Em 2002, eu concluía a minha graduação em História, pela PUCSP, com o projeto de TCC intitulado Vozes do Tempo – História, Música & Outras Linguagens. Naquele ano, aconteceram as comemorações dos 80 anos da Semana de Arte Moderna e o Rudá Kocubej Andrade (Rudazinho) me convidou para participar como violonista em alguns eventos e aí surgiu a ideia de formar um grupo para o projeto Somos todos Antropófagos. Naquela ocasião, formamos um quarteto com dois violões, violino e gaita. Nos apresentamos no Centro Cultural Pagu, na mesma sela em que a Pagu havia sido presa na ditadura Vargas. O repertório passeou por Satie, Chiquinha Gonzaga a Villa-Lobos. Foi o início do Quarteto Pererê, embora o nome de batismo tenha vindo após essa aparição, um pouco no espírito de evocação brasílica e antropofágica.

O Quarteto Pererê vem buscando atualmente um intenso diálogo com o Quinteto Armorial, fundado sob orientação de Ariano Suassuna, nos anos 70. Qual a importância do Quinteto Armorial na história da música brasileira?

Em 2007, fui convidado pelo historiador e produtor cultural Marcos Azevedo para integrar um projeto de comemoração dos 80 anos de aniversário do escritor Ariano Suassuna. Foram dois trabalhos que apresentei naquela ocasião. Um trabalho composicional que escrevi para viola brasileira e clarinete, apresentado na Biblioteca Sérgio Milliet, do Centro Cultural São Paulo.E outro, com o Quarteto Pererê, no Memorial da América Latina. Em 17 de junho de 2011, o Quarteto Pererê teve a oportunidade de se apresentar na abertura da aula espetáculo de Ariano Suassuna, no Teatro Lauro Gomes em São Bernardo do Campo. Foi um momento mágico, pois tivemos a oportunidade de tocar para Ariano um trabalho que vínhamos sedimentando desde 2007. Um trabalho composicional ligado à música armorial. Embora pouco estudada, a trajetória do Quinteto Armorial é de grande importância para a história da música brasileira, pois conciliou um trabalho de pesquisa de tradições culturais e populares nordestinas em transposição para uma música de câmara instrumental na formação de Quinteto, com instrumentos rústicos e populares. A atuação de Antônio José Madureira como compositor e violeiro é muito expressiva nesse grupo. Venho pesquisando sistematicamente, desde meu ingresso como mestrando no Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, em 2014, a música do Quinteto Armorial. É interessante identificarmos como essa música encontra ressonância em trabalhos como o do Quarteto Pererê e nos grupos Gesta (RJ), Quadro (PE), Rosa Armorial (PR) e Quinteto da Paraíba (PB), entre outros.

É possível sobreviver produzindo música de qualidade e obter espaço fora do circuito estritamente comercial? Quais são os desafios maiores nesse sentido?

Sim, é possível, mas não é fácil. Vivemos numa sociedade cada vez mais globalizada, isto é, cada vez mais capitalista e que procura homogeneizar cada vez mais os padrões culturais. No caso do Quarteto Pererê, não sobrevivemos exclusivamente da música que produzimos, pois atuamos como professores e também integramos outros projetos culturais.

O interior do país reúne imenso repositório de cultura popular e folclórica que ainda mantemos. Algo a fazer para que os efeitos da cultura de massa não destruam o que nos restou de tradição?

Penso que a tradição e a cultura popular estão e sempre estiveram em constante movimento, se transformando e se reinventando. Um efeito da crescente globalização foi a resistência, por outro lado, de comunidades locais e regionais que se inserem no processo globalizado, de alguma forma, pela via do enraizamento, isto é, acentuando as suas raízes culturais ou étnicas. Vejo o movimento armorial dessa forma. O Brasil, por ser um país de dimensões continentais, integrou diversas culturas e processos de hibridação, ao longo de sua história. E é um campo fértil e complexo para se pensar tradições, cultura popular e folclore. Mas, de fato, é no interior ou em localidades afastadas das grandes metrópoles que encontramos manifestações culturais à margem da lógica cultural de mercado. Vivemos num país de grandes proporções e no âmbito cultural isso implica diversas matrizes e temporalidades culturais. A cultura de massa sempre será uma ameaça, quando a memória não puder encontrar ressonância e seu norte para existir e se reinventar.

Como foi a recepção do Quarteto Pererê nas apresentações que fez na Europa?

Tivemos duas oportunidades. A primeira, em 2004, quando fomos para Holanda lançar nosso pri meiro disco, intitulado Ebulição. A recepção foi maravilhosa, porque estávamos fora dos cânones do país do samba, do futebol. Encontramos espaços muito interessantes para apresentar a nossa música, desde teatros, igrejas, parques, praças ou festivais. Foram dois meses intenso, nos quais tocamos por toda Holanda.A segunda ocasião, foi em 2006, quando tivemos a oportunidade de viajar com o Quarteto e o violeiro Zeca Collares. Tocamos em Roma, no teatro da embaixada brasileira, e foi uma experiência incrível. Nossa música foi recebida de forma muito calorosa. Seguimos, então, para nossa segunda turnê pela Holanda, onde participamos de alguns festivais. É muito bom tocar lá fora e também aqui dentro. Nosso segundo cd, Balaio, teve uma boa circulação de apresentações.

Sobre os autores: Angelo Mendes Corrêa é doutorando em Arte e Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP),professor e jornalista. Itamar Santos é mestre em Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP), professor, ator e jornalista.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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