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Félix Braz: o algarvio da geringonça luxemburguesa

O vice-primeiro-ministro do novo Governo do Luxemburgo Félix Braz é filho de imigrantes algarvios, uma herança que considera “constitutiva” de quem é, e continua a passar férias em Castro Marim, a terra dos pais.

“Este ano já lá fui três vezes”, contou o número dois do executivo, que tomou posse em 5 de dezembro no cargo que acumula com a pasta da Justiça.

A entrevista foi em português, no gabinete que já ocupava na anterior legislatura, com o assessor, que não fala o idioma, a assistir.

No final, o ministro perguntou-lhe se percebeu tudo, ao que aquele respondeu que sim. “É a vantagem de falar mal português, toda a gente percebe”, brincou Félix Braz.

O ministro, que nasceu no Luxemburgo, fala no entanto fluentemente português, com algumas contaminações de francês, e não se esquiva a usar o idioma.

Quando Marcelo Rebelo de Sousa visitou o Luxemburgo, em maio de 2017, Félix Braz foi entrevistado pelas televisões portuguesas antes de um almoço no castelo de Bourglinster, enquanto o Presidente da República assistia de uma varanda, acompanhado pelo primeiro-ministro luxemburguês, Xavier Bettel, aproveitando os dois para brincar com o lusodescendente: “vais perder o almoço”, “não fales tanto”, diziam-lhe.

Félix Braz, a tentar não se rir, virou-se para trás e pediu: “Deixem-me tentar explicar a geringonça à luxemburguesa”.

No Luxemburgo, a coligação que em 2013 retirou do poder o partido cristão-social (CSV), então liderado por Jean-Claude Juncker, foi batizada Gâmbia, por as cores dos três partidos – azul do DP, vermelho do LSAP e verde dos ecologistas – lembrarem a bandeira daquele país africano.

A coligação a três conseguiu ser reeleita nas últimas legislativas, em outubro, e chegar a um novo acordo em dezembro, em que Félix Braz é um dos dois vice-primeiros-ministros, um símbolo num país com mais de 16% de portugueses.

“Recebi muitas mensagens em português, de pessoas que vivem cá no Luxemburgo, mas também de pessoas de Portugal”, contou, sublinhando que o telefonema do Presidente da República teve “uma importância muito particular”.

Considerado um ícone da integração política dos portugueses no Luxemburgo, Félix Braz admite que gosta “de ser um exemplo” para mostrar “que é possível e desejável” participar na vida pública sendo imigrante ou filho de imigrantes, e tem multiplicado os apelos para que estes se recenseiem.

“Cem por cento dos que têm esse direito [de votar] poderiam fazê-lo amanhã de manhã e até agora só vinte por cento o fizeram. É uma questão de ambição pessoal, de querer ser cidadão, nada o impede: força”, instou.

Filho de uma costureira e de um motorista, recordou que o pai, já falecido, foi o primeiro a fazer uma viagem de autocarro Luxemburgo-Portugal, numa empresa de transportes luxemburguesa, tendo mais tarde sido instrutor numa escola de condução em Esch-sur-Alzette, onde “ajudou milhares de portugueses a tirar a carta”.

Ainda hoje, o ecologista de 52 anos garante que a primeira geração de portugueses o conhece como “o filho do Braz” e não pelos cargos que ocupa. “A referência para eles continua a ser o meu pai”.

Félix Braz nasceu em Differdange, no sul do Luxemburgo, em 16 de março de 1966. “Como na altura havia muito poucos portugueses, a verdade é que eu integrei a escola primária sendo o único português”, recordou, lembrando que “em casa falava-se português e lá fora falava-se luxemburguês”, o que terá facilitado a integração.

“Uma vez que chegaram mais portugueses e a comunidade já estava constituída, é claro que existe esse fator de estar numa comunidade, com o resultado de que essas crianças, quando chegam à idade de serem escolarizadas, não falarem, ou falarem muito pouco, luxemburguês”, apontou.

Aos 18 anos, pediu a nacionalidade luxemburguesa, depois de numas férias em Portugal o terem impedido de regressar ao Luxemburgo, por causa do serviço militar.

Durante muito tempo não conseguia responder à pergunta “és português ou luxemburguês”. Agora, “já há certo tempo” que consegue: “Eu sou luxemburguês com pais portugueses, e os dois têm importância, os dois contam, os dois são constitutivos do que eu sou”.

Félix Braz frequentou Direito na Sorbonne, em Paris, um curso que não chegou a concluir, tendo regressado ao Grão-Ducado para fazer o primeiro programa de informação em português na RTL. “Interrompi os meus estudos para fazer essa emissão. Hoje digo que foi a minha primeira decisão política”, considerou.

Em 1991, foi convidado para secretário do grupo parlamentar dos Verdes, partido pelo qual foi eleito pela primeira vez em 1994, como conselheiro comunal em Esch.

Hoje, já só lhe falta ser primeiro-ministro, mas garante que a sua única ambição “é fazer o [seu] trabalho”.

“Foi o que eu fiz quando fui secretário parlamentar, conselheiro comunal, vereador, primeiro vereador, deputado, ministro e agora vice-primeiro-ministro”, apontou.

Da anterior legislatura, destacou “a reforma da lei da nacionalidade”, para facilitar o acesso dos imigrantes à naturalização, e apontou que a despenalização do consumo de marijuana, prevista no programa da atual coligação, pode ir buscar inspiração a “vários países, e Portugal é um deles”.

O lusodescendente elogiou os progressos de Portugal desde o 25 de abril, de um tempo em que se recorda de “não haver eletricidade nem água canalizada”, quando lá ia de férias em criança, a “uma democracia cimentada que nunca mais vacilou”.

“Dessa mudança fala-se pouco, como se fosse evidente. Nada foi evidente, tudo foi querido pelos portugueses, e sem isso não teria acontecido”, afirmou.

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