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Fechar os olhos

Em 1998 uma equipa de guardas florestais dos Estados Unidos da América deu conta de grandes extensões de floresta com árvores mortas num parque natural no Orégão. Intrigados pelo constatado lançaram uma investigação para poder determinar o motivo. Cedo descobriram que as árvores tinham sido infectadas por um tipo específico de fungo: o cogumelo-do-mel (armilária solidipes).

Este cogumelo, como o nome indica, é um pitéu. De simples degustação, bastado salteá-lo e servi-lo acompanhado de massa. Aparece em tufos, com um conjunto de cogumelos congregados em torno duma mesma base. Pequeno, inofensivo, de simples confecção culinária, e paladoso. É este pequeno e frágil ser que provoca a morte dum possante abeto de 60 metros de altura e dois de diâmetro. Só que… o não tão inofensivo cogumelo-do-mel não é, também, assim tão pequeno.

O que descobriram os guardas florestais foi que o cogumelo que vemos despontar mais não é que um acto de confiança, talvez alguma coragem, que leva a que o fungo deixe o subsolo onde vive e desponte para o mundo. Nesse subsolo onde vive, descobriu-se, um desses fungos que ocupava uma área de 10Km2. Subcutâneo ao mundo exterior, este parasita que leva à destruição do ecossistema onde se insere é duma força muito maior de a suspeitada. Escondido sob as copas, sob a folhagem e ramos caídos das árvores, sob uma miríade de vida animal e vegetal que coabita, ainda que talvez em natural conflito, com um equilíbrio delicado o fungo trabalha e desenvolve-se para destruir.

Os apelos ao voto útil para impedir André Ventura de chegar à segunda volta das eleições presidenciais são inúmeros e enchem o espaço mediático. Há como que uma ideia de que podemos fechar os olhos e fazer o problema desaparecer. O que se pretende fazer é pedir a todas as plantas que sejam abetos, para esconder com a sua copa os que no solo desponta. Mas isso de pouco ou nada serve. A morte dos abetos é perigosa, o desaparecimento dum dos organismos de todo um ecossistema leva ao desequilíbrio deste e abre uma brecha para que o fungo se desenvolva. Espécie a espécie todas deixarão espaço ao fungo.

Se para o fungo a solução parece não ser evidente, o que temos por certo é que ignorar a sua existência ou retirar todas as outras espécies que possam entrar em conflito com os abetos para deixar a estes mais espaço não será a solução. A solução teria sido impedir a propagação do fundo a tão grande extensão, o que não seria fácil dado a provecta idade estimada algures entre 2000 e 9000 anos.

Da mesma maneira não é solução para o fascista Ventura tentar ignorá-lo ou transformarmo-nos todos em abetos. A solução é identificar o processo de reprodução do fungo, perceber as condições ambientais que lhe favorecem o crescimento, atacar sempre e onde necessário. Arrancar cogumelo por cogumelo velando a que não espalhem semente.

E não… se eu fechar os olhos o Ventura não vai embora, como aliás já pude escrever aqui a propósito de Marine le Pen.

Ainda que venha a matar abetos o fungo está longe de acabar com a floresta. O meu voto nunca será útil. Será sempre político e representativo daquilo em que eu acredito. Hoje, o meu voto vai para aquele, talvez o único, que mostrou estar empenhado no respeito da constituição e que alinha com os que nunca se encolheram perante a ameaça do fascismo. Aqueles que, como os abetos, de pé fazem face à ameaça subterrânea e subcutânea que nos ameaça o ecossistema social.

 

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