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“Fallen Leaves”: o amor na Finlândia

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“Fallen Leaves” é sobre duas pessoas solitárias: Ansa, que faz biscates para sobreviver, e Holappa, um operário da construção civil que não consegue manter um emprego devido ao seu alcoolismo.

Os dois vão cruzar-se por acaso num bar de karaoke e novamente devido a certas “coincidências cósmicas”. Embora seja óbvio que eles desejam companhia, alguém que possa fazê-los sentir-se menos sozinhos, eles não têm certeza se são capazes de compartilhar a vida com outra pessoa.

Ambos se acostumaram tanto com a solidão que até mesmo as dores do desespero são… reconfortantes. Pelo menos eles sabem que esse sentimento vai passar. Mas que dizer de compartilhar a vida com outra pessoa? Essa seria uma grande mudança. E é o tipo de mudança para a qual nenhum dos dois está preparado.

Quando ambos são despedidos, encontram-se por acaso. Superada a timidez, vão tomar um café e depois ao cinema. Trocam telefones, perdem-se de vista mas acabam por se reencontrar. Só que o alcoolismo de Holappa complica o romance…

O realizador finlandês, com fortes ligações a Portugal, volta a explicar a missão impossível da classe trabalhadora para encontrar a felicidade na sociedade capitalista. Para Kaurismäki, o neoliberalismo está contra os trabalhadores. “Fallen Leaves” é o quarto episódio, que não devia existir, da trilogia “Proletariado”, que o finlandês rodou entre 1986 e 1990.

É interessante que Kaurismäki, que ameaçou parar de realizar depois de “The Other Side of Hope”, regresse a um universo com o qual está intimamente familiarizado. Este retorno a temas conhecidos e já tratados previamente poderia ser pouco inspirador. No entanto, o resultado é deliciosamente o oposto.

Embora existam sombras do passado, “Fallen Leaves” é basicamente um filme do presente. A guerra em curso entre a Rússia e a Ucrânia aparece com destaque no filme, aumentando a sensação geral de mau pressentimento e falta de esperança.

Ansa vive num apartamento mobilado apenas com o necessário – só há prato, utensílios e talheres suficientes para uma pessoa. Ansa tem um rádio como companheiro constante da sua solidão. Num momento cruel de torcer a faca, em vez de qualquer música edificante tocando na frequência, Ansa é permanentemente inundada com informação sobre a guerra Rússia-Ucrânia em curso, que atenua ainda mais o seu humor e a mergulha no desespero. Parece que o mundo inteiro – não apenas o da protagonista – está a lutar pela sobrevivência.

“Guerra sangrenta!”, grita Ansa a certa altura, desligando com raiva o rádio, farta de ouvir as notícias da guerra.

Kaurismäki sempre teve um talento especial para subtilmente inserir temas sociais nos seus filmes, e “Fallen Leaves” não é exceção. O finlandês não é o tipo de realizador que faz declarações amplas à sociedade, mas as suas opiniões e perceções são tão claras quanto os espíritos que os seus personagens consomem.

Mas “Fallen Leaves” é, sobretudo, uma tragicomédia no estilo de… quase todos os outros filmes de Aki Kaurismäki. Os fãs do seu humor inexpressivo conseguem mais do que aquilo que procuram. E os fãs que procuram o seu formalismo rígido também não ficarão desapontados, embora pareça haver mais liberdade no movimento da câmara e, às vezes, uma mise-en-scène mais solta.

Nesta obra triste e alcoolizada está presente em abundância um elemento que era mais raro nos seus filmes anteriores: a música. O filme inclui pelo menos três músicas completas, e várias que passam de fundo na rádio. Há uma sensação de “preenchimento”, mas os momentos musicais oferecem igualmente amplas possibilidades de humor sarcástico nesta comédia simpática sobre as dificuldades que a vida apresenta quando se busca a felicidade. Cinema humanista no seu melhor, “Fallen Leaves” pode ser o filme que dará a Kaurismäki uma maior popularidade…

Raúl Reis

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