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E se sexta-feira fosse o novo sábado?

E se a nossa semana de trabalho tivesse apenas 4 dias? Pedro Gomes aposta numa ideia revolucionária mas que não é nova (foi formulada foi em 1956) nem utópica. Parece simples e útil. E os benefícios são quase óbvios. O autor acredita que Portugal pode ser pioneiro nesta matéria.

Qual a ideia que esteve na origem desta e livro “Sexta-Feira é o Novo Sábado”?

O meu interesse na semana de quatro dias nasceu no final da minha licenciatura em economia no ISEG (Instituto Superior de Economia e Gestão) ao ler Essays in Persuasion, uma colectânea de ensaios de John Maynard Keynes que incluía “As possibilidades económicas para os nosso  netos”, onde explicava que a redução do tempo de trabalho é o caminho natural de economias em crescimento. A ideia concreta de escrever um livro, surgiu durante as eleições legislativas britânicas de 2019 onde o candidato trabalhista, Jeremy Corbyn, propôs o início de um processo de transição para a semana de quatro dias. O problema é que os argumentos utilizados eram mais filosóficos, sociais ou ambientais (todos válidos) realçando a melhoria do bem-estar e da felicidade, mas estando sempre implícito que a economia iria ser prejudicada – a economia seria o preço a pagar por mais tempo livre. Eu achei que poderia e deveria escrever um livro a explicar que Não – a economia também vai melhorar com uma semana de quatro dias.

A proposta da semana de 4 dias de trabalho não é completamente nova: porque se tornou, agora, mais plausível e percepcionada como exequível?

A primeira referência à semana de quatro dias surgiu em 1956 (poucos anos depois da passagem por via legislativa de seis para cinco dias) pelo vice-presidente americano Richard Nixon. Enquanto prática de gestão, desenvolveu-se no final dos anos 60. O interesse actual surge por duas razões. Primeiro, muitas empresas, em diversos sectores de actividade e países, começaram a adoptá-la como prática de gestão e observaram um melhoria no negócio. Segundo, a pandemia mostrou-nos que podemos organizar a economia de forma diferente e com sucesso. Agora estamos todos mais abertos a repensar o modo como trabalhamos.

Do seu ponto de vista, quais serão os primeiros passos para a sua introdução em Portugal?

Quanto mais coordenada e ampla a implementação, maiores serão os benefícios. É melhor implementar: num sector inteiro que numa empresa; no país inteiro que numa região; na União Europeia que apenas por Portugal. Assumindo que não existe actualmente vontade e consenso político em Portugal para proceder à mudança extensivamente, existem outros passos intermédios que podemos dar. Concretamente Portugal pode: incentivar as empresas a testar a semana de quatro dias como prática de gestão, como está a fazer a nossa vizinha Espanha; ou através de legislação laboral (ou concertação social) dar mais flexibilidade ao trabalhador de passar a trabalhar a tempo parcial (como fez a Holanda nos anos 90), ou de acumular as horas contratualizadas em quatro dias (como fez a Bélgica recentemente). Mas o mais eficaz seria mesmo trazer o assunto à União Europeia e propor e defender a sua adopção faseada no âmbito Europeu.

De que forma esta solução terá impacto na economia de um pequeno país como Portugal?

Os benefícios dependem do nível de adopção. Nas empresas, haveria um aumento da produtividade (a empresa pode adoptar práticas de trabalho mais intensivas) e redução de custos (reduz os produtos defeituosos e erros na produção, absentismo e rotação de trabalhadores e também os gastos com energia). Ao nível nacional teríamos outros benefícios que advêm da coordenação: o estímulo à economia pela procura das indústrias de lazer (turismo interno, restauração, entretenimento, cultura), criação das condições de mercado para o aumento dos salários, redução do ritmo de despedimentos causados pela adoção de novas máquinas e – muito importante para Portugal – o aumento da inovação e do empreendedorismo. Para criar uma empresa é preciso uma ideia e tempo para a desenvolver e, muitas vezes, quando não se dispõe de meios financeiros, não se consegue financiar esse tempo. Uma semana de quatro dias iria permitir a todos os trabalhadores, desenvolver algo novo nos tempos livres. Todos estes benefícios iriam ser ampliados caso a semana de trabalho de quatro dias fosse implementada à escala europeia. Por exemplo, íamos beneficiar imenso do aumento do turismo de fim-de-semana. Por fim, um outro benefício importante para um Portugal envelhecido seria o seu impacto na demografia, promovendo a natalidade. Quando agora ambos os parceiros têm um emprego com muitas horas (não como há 50 anos em que a maioria das mulheres não trabalhava), quando já têm um filho, equacionar outro é difícil.

Para a implementar não é só necessário pensá-la e terá de ser compreendida como benéfica. Quem são os principais beneficiários directos: as organizações, os trabalhadores ou ambos?

Os trabalhadores beneficiariam mais, sem prejudicar as empresas. As mulheres também beneficiariam mais, sem prejudicar os homens. Os trabalhadores menos qualificados beneficiariam de salários mais altos e mais oportunidades de emprego enquanto os mais qualificados beneficiariam de mais tempo livre. Todos beneficiariam de uma economia melhor, mais inovadora e mais inclusiva.

Onde podemos encontrar os principais obstáculos a esta ideia da semana dos 4 dias de trabalho?

Os obstáculos à semana de quatro dias nascem de três visões equivocadas da economia. Primeiro, parte de uma visão individualista da actividade económica. Fala-se muito da produtividade de um trabalhador, mas uma empresa é uma equipa, e a produtividade da equipa é muito mais complexa. Associada a esta visão individualista está uma crença que a produção da empresa é proporcional ao número de horas: se as horas de trabalho baixam 20% a produção baixa 20%. Esta crença é completamente falsa, mas está enraizada no tecido empresarial. Sempre foi assim. John Hicks, prémio Nobel da Economia, escreveu nos anos 20 sobre a redução do dia de trabalho: “provavelmente nunca teria entrado na cabeça da maior parte dos empregadores ser sequer concebível reduzir as horas e manter o output.” Por fim, existe a visão de que o tempo livre é tempo morto para a economia, o que é falso. Como disse James Tobin, um outro prémio Nobel, “cada actividade de tempos livres traz um benefício económico a alguém”. É no nosso tempo livre que consumimos, inovamos, estudamos ou fazemos voluntariado.

Será possível vermos um governo de Portugal (ou da União Europeia) ter a iniciativa de legislar no sentido de concretizar esta ideia de certa forma impondo o princípio do processo de mudança?

Este processo deveria ser liderado pelo governo ou, ainda melhor, pela União Europeia. Os argumentos já estão aí, tal como os exemplos de empresas bem sucedidas. Só falta coragem para darmos este salto civilizacional. Portugal pode não estar na linha da frente, mas se há uma coisa que nunca faltou aos Portugueses na sua história é a coragem de sermos pioneiros.

Uma utopia não é o irrealizável mas apenas o ainda não realizado: esta utopia será realizável no curto prazo ou no prazo de uma geração?

Eu acredito que, se houver convergência – direita e esquerda, empresários, sindicatos e governo – em torno desta ideia, fazendo da semana de quatro dias um desígnio nacional, utilizando a sua implementação como uma oportunidade de nos transformarmo-nos em melhores trabalhadores, melhores empresas, melhor Estado, a semana de quatro dias poderia estar generalizada em 10 anos.
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Sexta-Feira é o Novo Sábado de Pedro Gomes

Mais informação em www.novoslivros.pt

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