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Despertem!

Estamos a viver tempos fortemente conturbados e perturbantes  sob qualquer ponto de vista em que se analise o presente, e nada pode realmente ser achacado à pandemia do Covid-19, que durante 3 anos teve as costas largas, e serviu de desculpa para virtualmente tudo o que corria mal. 

Desafios na economia mundial, desafios ecológicos e ambientais, com toda a gente a avisar-nos de que estamos a ponto de atravessar o Rubicão, em que cruzamos a fronteira do não retorno, e avançamos para a destruição inapelável do mundo como conhecemos, guerras fratricidas entre países vizinhos, por questões históricas e étnicas mal resolvidas no passado, luta não declarada entre as potências que têm pressa em redesenhar o mapa da influência geopolítica mundial, até muito recentemente dominado  quase em exclusivo pela América, aproveitando as debilidades mais do que evidentes dessa potência mundial, e o facto de estar internamente profundamente dividida entre aqueles que lutam por manter a democracia assente nos pilares éticos dos “founding fathers”, sem os quais morre, e os palhaços messiânicos para quem vale absolutamente tudo para chegar ao poder. 

Esta lista poderia ser continuada por mais uns milhares largos de caracteres, mas há 3 áreas que gostaria de destacar como aquelas que reputo de mais problemáticas dos tempos que vivemos, porque nos são muito mais próximas do que os problemas mundiais macro, e são aquelas que nos permitem ser nós, pelo nosso esforço e vontade, a resolver.

1) A destruição intelectual da família tradicional como alicerce indestrutível de uma sociedade sã e coesa, potenciada por uma cultura woke de cancelamento que nos quer incutir políticas identitárias e de ativismo LGBT de uma forma radical, censória e imposta, sem qualquer possibilidade de contraditório. Quem pensa diferente dos Torquemada do século XXI, é imediatamente queimado vivo e destruído na fogueira mediática das redes sociais. Portugal tem uma das maiores taxas de divórcios do mundo por cada 100 casamentos. Passámos de valores de divórcios por cada 100 casamentos inferiores a 1 0/0 nos anos 70, a valores estratosféricos de 60 e 70 0/0 nos últimos 10 anos, com um pico de inenarráveis 91.5 0/0 em 2021, no pico da pandemia, quando nos encerraram compulsivamente em casa ! Isto tem necessariamente consequências nefastas na educação dos filhos que, mesmo depois da separação física dos pais, continuam a assistir quase diariamente a lutas verbais e /ou físicas dos progenitores, empenhados em demonstrar quem consegue ser mais sacana e pulha do que o outro. Mesmo nas famílias tradicionais, ditas sãs e equilibradas, a educação dos minorcas passou a ser feita por tablets e celulares, para não chatearem muito enquanto se vê o Big Brother e a Cristina Talks, sobretudo à mesa, em que convém que os catraios não interrompam muito as libações gastronómicas, e perturbem a digestão pós-prandial. Valores éticos, educação de princípios, transmissão de regras de civismo, cortesia e de comportamento em sociedade, respeito pelos idosos, valorização do património público, limpeza e higiene, deixaram de ser ministradas na família, e muito menos nas escolas, e os minorcas passaram a ser educados pelas redes sociais, onde estes temas fundamentais de cidadania para um sociedade equilibrada e sã não são obviamente tratados. Com sorte, alguns valores são-lhes transmitidos por avôs, frequentemente o último reduto de uma educação cívica equilibrada para as novas gerações. A forma estruturada de transmitir uma educação para o exercício de uma cidadania plena responsável em Portugal tem que ser urgentemente repensada.

2) A mentira, os fakes e a corrupção em todos os aspetos da nossa vida, tolerados e desculpados socialmente. Os vários polígrafos fartam-se de corroborar a sarta de mentiras que os políticos de todos os quadrantes verborreiam diariamente e, longe de os prejudicar, até lhes aumenta a popularidade, e o sentido de intenção de voto da população. O pináculo desta onda de “verdade alternativa”, que corrompe mesmo as entranhas da ciência, como se houvesse mais do que uma “verdade verdadeira” na própria ciência, é corporizado por esse palhaço inenarrável chamado Trump, assim como pelas direitas e esquerdas mais retrógradas, messiânicas e dogmáticas, para as quais os fins justificam plenamente os meios que usam para lá chegar. Espero que os media continuem cada vez mais a fazer o seu papel de guardiães da verdade, expondo publicamente quem pretende alienar os cidadãos com mentiras e populismo.

3) A falta de diálogo e de vontade de buscar consensos possíveis por meio da aproximação de posições, e por cedências mútuas, quer na política, quer nos negócios. A Europa foi construída nessa base, e hoje, da forma como as posições se extremaram, nunca se teria conseguido implementar o projeto europeu como o conhecemos. Talvez nem tivesse sido mau que a Europa fosse apenas um espaço económico de livre circulação de mercadorias e de pessoas, mas em que os aspetos de soberania e de identidade cultural se tivessem deixado intocados. Isto de Bruxelas determinar a forma da curvatura dos pepinos, e o processo de os franceses fazerem o queijo, como se nunca o tivessem feito de forma segura e higiénica ao longo de centenas de anos, antes de Bruxelas existir como centro de intoxicação autoritário europeu, não lembra ao Demónio… Seríamos certamente muito mais evoluídos globalmente e felizes na Europa em geral, não só nos países nórdicos, se houvesse liberdade nos aspetos de identidade cultural e de soberania, e não uma “democracia tutelada” cada vez mais autoritária e abusiva, resultante hoje de uma palhaçada de eleições para as quais os eleitores são mal preparados, e consequentemente esmagadoramente e crescentemente indiferentes. 

É  obrigatório que olhemos para a Europa não só como destino da nossa emigração, ou como vaca leiteira onde vamos pedinchar dinheiro quando estamos à rasca, mas exercer uma cidadania plena informada sobre o que representa ser parte desta comunidade, como contribuir a moldá-la, e obviamente como aproveitar também os benefícios legítimos que dela se podem extrair.

Tom Nichols, no livro “A morte da competência” comentava que enquanto cidadãos, se não fizermos um esforço por adquirir uma literacia básica em relação às questões que afetam as nossas vidas estaremos, queiramos ou não, a abdicar do controle essas questões. E quando os eleitores perdem o controle sobre as decisões importantes, que afetam as suas vidas, arriscam-se a que a sua democracia seja sequestrada por demagogos ignorantes, ou que as suas instituições democráticas se degradem de forma silenciosa e gradual transformando-se numa tecnocracia autoritária. 

Já Alexis de Tocqueville (1805-1859), na sua obra magistral “Democracia na América” antecipava que a egolatria dos políticos (Sócrates e discípulos Galamba e Pedro Nuno Santos…) diminuía o sentido de dever para com a comunidade em geral, abrindo o caminho a um tipo de despotismo suave por parte dos dirigentes da Nação, um poder que não tiraniza, mas “oprime, debilita, extingue e embrutece um povo, ao ponto de este ficar reduzido a um rebanho de animais tímidos e diligentes, cujo pastor é o governo”. Segundo antecipava Tocqueville, este é inevitavelmente o custo mais pesado a pagar por uma sociedade que se empenha tanto em alcançar “prazeres mesquinhos com que saciam as suas almas”, e que negligenciam as suas responsabilidades como cidadãos. Concluía que “um povo que renuncia por completo ao hábito de governar, não sabe fazer uma escolha apropriada daqueles que deveriam governá-lo.”

Sounds familiar? Na Europa (nem se fale em Portugal) estamos a vivê-lo. Teremos atravessado nós também o nosso Rubicão, um ponto sem retorno ? Despertem!

José António de Sousa

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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