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Desassossego

A palavra desassossego, mais do que a palavra ideal é a palavra certa. No entanto, nós que nos seria impossível falar ou escrever sem usar as palavras uns dos outros, (não necessariamente na mesma ordem) temos que admitir que há palavras que pertencem a um número restrito de génios que as conquistaram por mérito próprio.

Desassossego pertence a Fernando Pessoa. Não só pelo que a palavra significa na sua obra literária, mas acima de tudo pelas vias que o autor percorreu para a ela chegar.

Cada via, cada artéria, tem um misto de sentir e de sentimentos, sentir e vivências que por elas palmilhadas vieram desaguar à palavra que resume, mas acima de tudo, que representa da maneira mais fiel todo este percurso.

E no entanto, não poderei dizer faço das dele, as minhas palavras, muito embora também a mim me falte o tempo, e não que eu tenha uma enorme força de vontade para nada fazer, quando tenho tanto ainda para fazer, mas na parede interior da minha mente, onde vejo projetar a minha consciência, tudo me diz que o tempo passou sem que eu me tivesse apercebido disso. Na impossibilidade de lhe chamar desassossego, que lhe chamo? Inquietação? Também. Mas desassossego senhor Fernando Pessoa é a palavra que melhor define, as vias, as artérias por onde tem andado a minha vida desde o momento em que comecei a notar a consciência. Tornou-se tudo tão claro, e, no entanto, esse claro é uma maneira estranha e quase bizarra de falar de escuridão dos meus dias incertos, o constante desassossego, (palavra que pela sua genialidade por direito lhe pertence).

Se me sentasse aqui nas margens deste rio que desce correndo, a montanha, se seguisse o percurso da água que bate contra os pequenos rochedos e pedras dispersas pelo seu leito, como quem dança uma música feita de sons da natureza, ver-me-ia, não nesse rio, mas na água que por ele passa a correr, como quem cheio de pressa vai sem destino à procura da vida que se esqueceu de viver. Ou, eu que passei anos a ignorar-me a mim mesmo, arranjava uma maneira eficaz de ignorar as vozes da minha mente, e não que sejam as vozes da loucura, mas antes as vozes de uma consciência que tardia melhor seria que nunca chegasse, porque dela nasce este constante desassossego.

Desassossego é a palavra que não me pertence, mas o seu conteúdo, tem tudo de mim.

Desassossego é este sentir que bate passo a passo com uma consciência que faz as perguntas a si mesma que se não querem fazer, as perguntas que sem respostas, fazem dos ignorantes pessoas felizes. Desassossego, para mim, é o que não quero ver, é o que não quero sentir, é o que não quero saber, e é tudo isso a multiplicar-se em verdades às quais já não há mentiras que lhe possam resistir, mentiras onde as verdades não têm por onde se esconder. A realidade é crua. A verdade é nua. A consciência das duas é… desassossego (…)

(Retalhos do Quotidiano)
António Magalhães

 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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