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Denis Allan Daniel: no universo de Bidú Sayão

Autor da primeira biografia de Bidú Sayão, legenda do canto lírico mundial na primeira metade do século XX, intitulada “Bidú paixão e determinação”, Denis Allan Daniel, a partir de extensas pesquisas no Brasil e nos Estados Unidos, país em que Bidú passou a maior parte de sua vida, desvenda ao leitor uma figura humana incomum e uma artista de primeiríssima grandeza, saudada pelos maiores críticos de seu tempo, cuja memória merece as melhores reverências.

Quando despertou interesse pela trajetória de Bidú Sayão?

Meu interesse começou quando eu tinha 16 anos de idade, ouvindo no rádio Jussi Björling, famoso tenor sueco. Algum tempo depois, eu o ouvi cantar com Bidú Sayão e fiquei maravilhado. Apaixonei-me, nessa época, pela Bidú e por ópera em geral. Percebi que não existia uma biografia da Bidú e iniciei os trabalhos de pesquisa, que duraram quatro anos.

Como Bidú Sayão revelou-se cantora lírica?

A transformação da Bidú em cantora lírica foi lenta, mas definitiva. Ela, aos poucos, atingiu um nível de canto que sensibilizou e encantou os mais rigorosos críticos de Nova Iorque. O sucesso pleno da Bidú veio graças a muito estudo e muita determinação. Apesar de possuir uma voz ‘’pequena’’, conseguiu atingir uma técnica que permitiu compensar essa deficiência com brilhantismo. Revelou, durante a sua careira no Metropolitan, ser a maior cantora lírica do mundo. As críticas da época deixam isso claro.

Pode nos contar um pouco sobre a importância de Bidú Sayão para o canto lírico?

O sucesso internacional da Bidú para o canto lírico se deu nos anos 1930 a 1950. Durante esse período, foi considerada a rainha do Metropolitan e exerceu enorme influência no mundo operístico. Apesar disso, Bidú foi criticada no Brasil por sua voz ‘’pequena’’ e reclamar de ‘’coisas desagradáveis’’ que aconteceram com ela no Brasil. Pode-se dizer que a verdadeira importância da Bidú para o canto lírico se deu no exterior e não no Brasil, onde ela foi desprezada e pouco valorizada por motivos complexos não muito claros.

A que se deveu a saída de Bidú Sayão do Brasil, ainda bastante jovem, e o fato de nunca mais ter voltado a residir no país?

Bidú e sua mãe deixaram o Brasil quando ela tinha 16 anos de idade, em 1920. Ela amava o Brasil, fato que repetia frequentemente. Entretanto, no exterior, ela encontrou a apreciação, a segurança, o carinho, o respeito e o calor humano que não sentia no Brasil. Objetos que Bidú guardava no Brasil com grande cuidado e carinho desapareceram, por omissão das autoridades. Também foi vaiada e considerada americanizada. Em suma, ela se sentiu mais amada no exterior do que no Brasil.

Por que motivo Bidú Sayão nunca admitiu ser chamada de antipatriótica por ter deixado o Brasil?

Bidú nunca admitiu ser chamada de antipatriótica, porque isso não era verdade. O que ela admitiu, em várias ocasiões, é que ela era brasileira do fundo do coração e que se sentia profundamente magoada quando alegaram que não amava o Brasil e não tinha orgulho de ser brasileira.

Que dramas pessoais abalaram profundamente Bidú Sayão em momentos distintos de sua vida?

O drama pessoal que mais abalou Bidú foi, sem dúvida, quando faleceu sua mãe. Ao relatar esse fato, ela dizia que, quando isso ocorreu, sentiu como se ela própria tivesse falecido. Ela adoeceu e passou um longo período se recuperando dessa terrível perda. Outro drama ocorreu quando a sua adorada casa, Casa Bidú, onde morava nos Estados Unidos, foi destruída pelo fogo. Grande parte de seus bens de valor sentimental dados por sua mãe estavam na casa e foram destruídos. Após esse desastre, ela construiu uma outra casa, menor, que foi assaltada e quase todos os objetivos foram roubados.

Como foi a relação entre Bidú Sayão e o maestro Villa-Lobos?

A relação entre Bidú e Villa-Lobos foi de profunda e verdadeira amizade. Ambos fizeram enorme sucesso, quando trabalharam juntos e sua grande obra, as Bachianas N° 5, teve recorde de vendas nos Estados Unidos, durante dois anos consecutivos.

Aos 92 anos de idade, Bidú Sayão foi enredo da escola de samba Beija-Flor. Que significado isso teve naquela altura de sua vida?

Aos 92 anos de idade, Bidú já estava muito enfraquecida. Tinha sofrido dois infartos e outras complicações de saúde. Ela vivia recolhida, cercada de amigas e usufruindo dos prazeres de sua vida tranquila em Lincolnville. Foi quando recebeu o convite para participar do carnaval de 1995, no Rio de Janeiro. O desfile, com a presença da Bidú, foi um sucesso. Ela ficou extremamente feliz com a recepção popular que recebeu e essa homenagem teve um grande significado emocional. No final do desfile, Bidú disse que a experiência foi ‘’maravilhosa’’.

Afastada dos palcos, como foram os últimos anos de Bidú Sayão?

Bidú sempre se preocupou em não prolongar a carreira, além do limite de tempo que pudesse prejudicar a qualidade de sua voz. Danise, segundo marido de Bidú, insistia sempre nessa restrição e é provavelmente por essa preocupação que Bidú encerrou a carreira no Metropolitan, em 3 de abril de 1952, quando tinha apenas 48 anos de idade, com sua voz em perfeitas condições. Os últimos anos de Bidú foram vividos em sua casa em Lincolnville, rodeada de amigos, feliz por ter realizado seu grande sonho infantil que era o de ser uma pessoa muito especial.

Qual a razão dos brasileiros conhecerem pouco da história de Bidú Sayão e seu acervo ter sido destinado a uma universidade norte-americana?

A verdadeira razão pela qual poucos conheceram a história da Bidú é complexa. Pode-se atribuir, em parte, ao fato de que ela se afastou do Brasil quanto tinha apenas 16 anos de idade e nunca mais voltou a residir no país.As idas e vindas ao Brasil, para trabalho e para visitas, foram de certo modo tumultuadas, com críticas de que Bidú era antipatriótica e fatos que muito a magoaram  como, por exemplo, de que ela não amava seu país. Além disso, ficou irritadíssima quando o Theatro Municipal do Rio de Janeiro desapareceu com objetos que pertenciam a ela e eram de grande valor emocional. Um outro motivo que muito magoou Bidú foi a alegação de que ela havia se americanizado. O acervo de Bidú  foi destinado à Universidade de Boston, nos Estados Unidos, e o museu está aberto para visitação pública. O motivo desse envio foi, muito provavelmente, a péssima experiência que ela teve com o Theatro Municipal do Rio de Janeiro com a perda de seus objetos de estimação.

 

Sobre o autor da entrevista: Angelo Mendes Corrêa é doutorando em Arte e Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), professor e jornalista. Itamar Santos é mestre em Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP), professor, ator e jornalista.

 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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