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Culpabilização da cultura ocidental na agenda do politicamente correto

Depois da II Grande Guerra, as forças de ocupação aliadas implementaram programas de reeducação dos alemães, para fomentarem no povo vencido o sentimento de culpa da guerra. Esta pressão mediática ainda a senti como estudante estrangeiro nos anos 70 (e posteriormente também) ao verificar que as TVs e outros meios de comunicação social, todos os dias, falavam das tiranias nazis na guerra; também as aulas de História se transformavam, por vezes, em pedagogia educativa tematizando sobretudo a desumanidade da guerra e do nacional-socialismo de Hitler. Perante tal insistência mediática cheguei a ter a impressão que os alemães tinham medo deles mesmos. (Não sou contra o cultivo da memória histórica como meio de aprendizagem e de aferimento do presente, o problema está em encontrar uma via justa do meio termo sem que se chegue a instrumentalizar nem a História nem as pessoas). Facto é que o programa de reeducação dos alemães levou a Europa à cultura da culpa histórica.

O complexo de culpa alemão e a escola de Frankfurt contribuíram para o fomento da culpabilização do passado europeu. Na ordem do dia político-social ocidental revelam-se como temas prediletos, o colonialismo europeu, a escravidão europeia e outros males que questionem as próprias raízes históricas; isto nem daria nas vistas se estes problemas não fossem tratados unilateralmente como problema específico da cultura ocidental; o pensar politicamente correto investe assim no seu rendoso negócio com a culpa moral e política. Sabe que uma vez instalada a dúvida, esta castiga. Nota-se que a agenda política internacional de fomento da cultura marxista anti-ocidente tem grandes cabeças ao seu serviço conscientes que a nível social se torna muito mais eficiente mover a emocionalidade das populações do que usar a racionalidade.

No âmbito das Nações Unidas e de organizações internacionais segue-se a agenda de contrapor o remorso, a vergonha e a culpa às grandes aquisições da cultura ocidental.

É próprio da lógica do poder não aceitar as próprias sombras que combate nos outros! Se assumissem o bem e o mal, também em si, tornar-se-iam mais moderados e fomentadores da paz.

Também em Portugal se quer instalar um ensino da História penitenciada, com acentuação no negativo da História e que favoreça o aspeto rebelde de ativistas, aquilo a que chamam as “questões socialmente vivas” (a escravatura); querem ver manipulada neste sentido a nova disciplina de História, Culturas e Democracia, do 12º ano. Querem uma interpretação da História que os legitime e sirva. Servem-se das universidades e da política para melhor colonizarem o pensamento ocidental para, sub-repticiamente, se irem tornando nos donos disto tudo.

Há que impor a emocionalidade contra a racionalidade na formação dos alunos passando os acusadores da História a fazer o seu negócio. Por outro lado, a culpa, desde que reconhecida, não legitima ninguém (o outro) a usá-la como crédito de autoafirmação perante o concorrente ou como justificação moral perante o outro. A culpabilização impede a expiação da culpa assumida sob a forma de responsabilidade.

De facto, para criarem no povo uma responsabilidade coletiva alemã, identificaram os nacional-socialistas com o povo alemão. Porém, uma coisa é a culpa real e outra, os sentimentos de culpa criados. A culpa coletiva não pode ser assumida individualmente porque é atribuída ao grupo pelo facto de se ser membro dele (um mero assumir de responsabilidade por algo exterior ao próprio). No fundo, a questão da culpa coletiva alemã reduz-se a um assunto de perguntas sem respostas. Foram criados sentimentos de culpa nos vindouros alemães por uma culpa pessoalmente não cometida: isto pode originar reações precisamente no sentido oposto. Em questões de ética poder-se-ia aqui distinguir entre uma culpa moral e uma responsabilidade política; a culpa moral é decidida pela consciência. Que a Alemanha, por uma questão de responsabilidade coletiva histórica esteja “do lado de Israel” é muito natural, mas, que seja usada como refém no discurso político devido a uma culpa herdada, não é justo; isso deveria pertencer a padrões de pensamento autoritários já ultrapassados.

É verdade que, como diz o presidente alemão, “os criminosos eram pessoas. Eles eram Alemães!” , ou melhor pessoas alemãs; um discurso que pretenda tornar-nos imunes contra o mal terá que reconhecê-lo individualmente em cada um de nós, como pessoas e não como membros de um Estado. Há que distinguir um discurso político e do poder, de um discurso ético individual. De facto, o segredo da salvação está na memória (por isso a igreja católica celebra no ritual da eucaristia a memória) mas o cultivo da memória não pode ser apenas aproveitado para gerir a história, mas principalmente para implementar a reconciliação. De resto, o mal e o bem são constantes, quer individualmente quer socialmente.

Os nazistas procuraram desumanizar os judeus atribuindo-lhes números (tatuagem) em vez do nome e hoje corre-se o perigo de se desumanizarem grupos (os concorrentes da praça pública). Não é legítimo que os moralistas dos opostos partidários agitem o povo na praça pública com a chibata da própria ética como se fossem os cães de guarda de um rebanho que politicamente lhes pertencesse.

A solução antecipada em “Crime e Castigo”

O romance “Crime e Castigo” de Dostoievski é um ponto alto da literatura mundial que li aos 18 anos e me ficou gravado na memória como uma parábola da vida. Por muito diferentes que sejam os caminhos que percorremos sempre nos deparamos com a realidade que Dostoievski tão bem soube descrever num género mítico universal.

Os pensamentos iluministas, que legitimaram a ação assassina do protagonista do romance Raskolnikow, não contaram com a consciência russa que o perseguiria, depois do ato sangrento. Para ajudar sua mãe pobre e para ter dinheiro para financiar os próprios estudos, Raskolnikow deixou-se levar pelo ódio e matou a penhorista usurária no sentimento de que com o seu assassínio vingava a injustiça que grassava em Petersburgo. O inicialmente socialista Raskolnikow fazia parte dos que queriam importar o ateísmo e o racionalismo iluminista europeu para a Rússia. Ele assassina a mulher em nome da razão e do progresso.

Contudo, a sua consciência russa cristã permanece indelével nele sobrevivendo à ideologia materialista racionalista; finalmente, no cativeiro, reconheceu a humanidade do cristianismo que leva a sério o Homem todo.

A brutalidade cria desespero e frieza de coração no herói do romance. A prostituta Sonja que se prostituiu para alimentar a família, representa a miséria social de Petersburgo (é interessante ver como Raskolnikow, perante a injustiça social, se torna cúmplice com a injustiça usando também ele da violência como meio de a vingar e, por outro lado, Sonja – a alma russa – assume as consequências da injustiça em si mesma ao adotar o papel de prostituta para saldar a injustiça de que ela e a família eram vítimas). É encantador ver como o companheiro de Sonja, no cativeiro, vai aprendendo a questionar o seu comportamento agressivo (a ideologia) e a sentir a necessidade de mudança. Já o matemático e físico Blaise Pascal constatava: “O coração tem razões que a própria razão desconhece”.

É fantástico verificar como Dostoievski, em “Crime e Castigo” equaciona, nos dois protagonistas (Raskolnikow e Sonja), o problema da injustiça e da culpa e também a questão entre a ideologia modernista (estrangeira) e a mentalidade russa cristã. A condição para se perdoar a si e aos outros pressupõe a consciência de que somos falíveis (virtude da humildade).

Consequentemente, Raskolnikow escolhe Sonja para lhe revelar o segredo do seu assassínio e ela ensina-lhe o caminho não só da confissão da culpa, mas sobretudo do reconhecimento dela para, assim se poder libertar da culpa. Por fim, no cativeiro, Raskolnikow e Sonja aprendem a amar-se e casam-se; deste modo Dostoievski resolve a questão da culpa e da expiação, de modo sublime, advogando para tal o espírito cristão.

O pecado original da humanidade (espécie de culpa coletiva) no pensamento cristão implica o assumir-se como pessoa portadora de bem e de mal e na qualidade de ser membro do género humano que também é pecador, assume-a também, mas na consciência de que já se encontra remida por Cristo. Um resto de culpa individual assumida é saldada através de expiação-penitência-perdão na plataforma da graça de Deus (redenção e remissão). A expiação e o perdão andam juntos; o arrependimento, no sentido católico, também paga o débito originado pela culpa. O reconhecimento prepara a mudança de atitude porque a ideia leva à ação.

A velha luta continua

A ideologia atualmente predominante de caracter iluminista materialista (socialismo radical) procura materializar a culpa histórica da Europa de maneira a poder tornar refém a atual cultura ocidental e instrumentaliza-la para implementar uma cultura ideológica própria! Como filhos de um iluminismo exacerbado dão prioridade à lógica do poder como substituto dos princípios éticos.

A Alemanha é certamente o país que historicamente mais se penitenciou pelas barbaridades nela cometidas durante as guerras mundiais e em especial pelos crimes do regime de Hitler.

Assim, muita gente de ânimo leve interessada no derrotismo e para agradar procura esconder o próprio complexo de culpa, optando por temas de tensão colocando, para isso, na ordem do dia, assuntos culpabilizantes, como nazismo, islamofobia, escravatura, colonialismo, inquisição; temas do género são depois exageradamente papagueados por multiplicadores da política e do jornalismo no estilo de Pilatos; deste modo impede-se uma abordagem racional dos factos.

Em alguns meios sociais da Alemanha, após o nazismo, propagou-se um certo masoquismo (auto-castigo) que levou muitos alemães a satisfazer o seu complexo de culpa na negação da própria nacionalidade (ter vergonha de ser alemão!). Este sentimento de culpa penhorado tem sido aproveitado para fomentar uma consciência europeia de cultura culpada; a ser sempre confrontada com o medo e a insegurança no horizonte de culpa nevoeirenta que não deixa ver o sol nem o amanhecer em si e o leva a procura-lo fora ou a viver na dúvida.

A subtileza da argumentação culpabilizante

Uma Europa complexada pelas maiores barbaridades da História europeia (estalinismo e nazismo) facilmente se tornou refém da culpa e dos que entenderam fazer dela o seu negócio. Os ativistas internacionalistas reduziram a culpa à Alemanha capitalista e deste modo conseguiram alargar o sentimento de culpa a todas as nações da Europa (consideradas imperialistas e capitalistas), como se um problema alemão fosse necessariamente o problema europeu. De facto, uma vez confinado o delinquente, torna-se fácil à ideologia marxista a demarcação da sociedade num mundo dos bons e inocentes, no mundo dos maus, os outros!

Cria-se uma lógica da culpa, um ciclo vicioso que dá razão a quem culpabiliza. O poder da lavagem cerebral social parece até atingir cérebros pacatos que passam a argumentar que os males que outros cometem são justificados porque nós já fizemos o mesmo ou até pior. Há-os que consideram a invasão islâmica como um castigo merecido e aceite como expiação dos pecados da Europa na História; outros mais positivos constatam que uma Europa habituada a superar crises também superará as crises atuais.

O pensar politicamente correto fala da culpa dos outros como se a Europa não fosse todos nós; cria-se um discurso destrutivo – de ativistas ilibados – que fomentam uma Europa de cultura dividida numa Europa dos bons e numa Europa dos maus.

Seria um absurdo tornar a cultura europeia no bode expiatório da má conduta doutros povos, mesmo pelo facto de muitos carenciados se refugiarem nela; mas para que a política não seja atestada de culpada então terá de passar a investir no desenvolvimento económico desses países porque o desenvolvimento de um povo não depende de apelos morais. Tanto o capitalismo exacerbado como o socialismo marxista são o problema e não a solução.

A ideologia racionalista não tem problema em matar em nome da razão e do progresso; como não acredita no Homem aposta na troica de um Estado marxista reduzida a uma luta de interesses por interesses. Por isso no romance “Crime e Castigo” a solução não vem do iluminismo nem do socialismo que o protagonista primeiramente advogava como meio de acabar com a miséria.

Uma viragem histórica responsável virá do ressurgimento moral individual que um dia atingirá os lugares altos da sociedade. Dostoievski acreditava que somente o cristianismo, levava o Homem a sério em todas as suas dimensões e, como tal, podia salvar a Europa da raiva cega do pensamento racionalista, económico e nacionalista.

O velho nacionalismo jacobino e o materialismo iluminista encontram-se hoje expressos em ideologias do bota abaixo e no comportamento de muitos ativistas sociais. Com a sua contínua luta e protesto pela vida, negam a própria vida. No dizer do cabaretista Kindler “As emoções negativas são a força motriz do movimento”.

 António da Cunha Duarte Justo

 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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