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Crónicas de Lisboa: Uma namorada no Face

O Tomás, que era um menino oriundo duma família daquelas com vivência intergeracional, onde coabitam duas ou três gerações, foi para a escola primária da sua zona. Era uma novidade e um meio diferente para ele que foi criado em casa até aos seis anos. Todos os dias, os familiares lhe perguntavam coisas da sua escola e dos seus colegas de turma; se gostava da escola; se gostava dos colegas da turma; se já tinha feito amizade com alguém em especial da turma, etc.

Um dia, o avô, homem da velha guarda, perguntou-lhe se já tinha arranjado uma “namoradinha” na turma e ele, muito embaraçado, respondeu que não. Contudo, esta pergunta repetia-se pelos dias, até que ele, numa tarde no recreio, atirou à Alice, sua colega de carteira na sala de aulas e sua amiguinha favorita.

– Queres ser minha namorada, para depois, quando formos grandes, nos casarmos e termos filhos?

Ela, sem se atrapalhar com a pergunta, respondeu:

– Não posso ser tua namorada e casar contigo, porque na minha família casamos todos uns com os outros.

–  Uhmmm, soletrou, nasalmente, o Tomás, mas a amiga continuou.

– A minha mãe casou como o meu pai; a minha avó casou com o meu avô, o meu tio casou com a minha tia…

– Chega, chega – respondeu o amigo.

Mas ela ainda acrescentou.

 – Só o meu tio mais novo namora com o Face. É o que oiço dizer lá em casa, mas eu não conheço essa do Face. Mas não admira, porque ele quase nunca sai de casa e passa muitas horas no quarto, sozinho, a namorar no computador ou no telemóvel. O meu avô, que é o pai dele, e a minha avó, bem se fartam de lhe dizer para ele arranjar uma namorada, pois já tem idade para sair de casa, mesmo que seja pelo Face, mas ele diz que é melhor assim. Responde que não está para aturar as namoradas e muito menos ter filhos. Diz ainda que está a pensar adotar um cão, para “fazer de filho” com ele e à namorada que queira namorar com ele. Diz que os filhos dão mais trabalho e gasta-se mais dinheiro do que ter um cão.

  – Está a tocar a campainha para regressarmos à sala de aulas, temos que correr – diz-lhe o Tomás, enquanto lhe agarra pela mão. Mas antes de entrarem na sala, a Alice ainda lhe segredou:

– Sabes, o que eu gostaria era de ter era um irmãozinho, embora goste muito de animais.

– Também eu, mas eu preferia uma irmã, mas os meus pais dizem que sai muito caro ter dois filhos e dá muito trabalho também e chatices. Dizem que já chego eu.

Ao jantar e à mesa onde todos se sentavam, mas raramente o tio que namorava no Face, pois o namoro nem tempo lhe dava para jantar com a restante família, o avô voltou à carga e atirou.

– Então meu neto, foi hoje que escolheste uma namoradinha lá na turma?

E o Tomás, menino de boa educação, respondeu:

– Avô, eu sou uma criança e quero aprender, brincar, crescer e só quando for grande, assim como o meu pai, eu vou querer arranjar uma namorada como a minha mãe.

E os pais do menino, já um pouco aborrecidos com aquelas insistências “machistas” do avô, agiram em defesa do Tomás e disseram:

– Deixe lá o menino ser criança que terá muito tempo para namorar em devido tempo. O que se vê de mais por aí são jovens/crianças que deixam de brincar e até estudar porque começam a namorar e a fazer outras coisas prematuramente. No seu tempo, namoravam vigiados pelos familiares e casavam virgens, as mulheres e a maioria dos homens também. Depois, no meu tempo, a “revolução” chegou também à sexualidade e a tendência tem sido para banalizar os namoros e as relações sexuais e afetivas. E quais foram os ganhos que as sociedades ditas ocidentais lucraram? Não me parece, mas passar do oito para o oitenta não foi o melhor caminho.

As sociedades, mas tendo por base a família e a escola, tem que apostar na educação e na formação das relações interpessoais, sejam de caracter afetivo, cívico e profissional e firmes na transmissão de valores aos mais jovens ou então caminhamos ainda mais para a agudização dos conflitos com vários tipos de vítimas, a começar nas próprias crianças e jovens. E talvez devêssemos pensar noutro modelo e estrutura familiar, campo aberto para alguns fanatismos, sempre maus. Para a igualdade entre os géneros masculino e feminino, ainda vamos ter que esperar por várias gerações, porque o “machismo” ainda está arreigado em muitas cabeças caducas, homens e mulheres e de várias idades, sem esquecer as crianças e os jovens.

Serafim Marques

Economista (Reformado e Avô cuidador e educador)

 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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