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Cinema português chora morte de António da Cunha Telles

© DR

O produtor e realizador António da Cunha Telles, um dos nomes indissociáveis do Cinema Novo português nos anos de 1960, morreu na quarta-feira aos 87 anos.

De acordo com a filha, a produtora Pandora da Cunha Telles, António da Cunha Telles morreu no Hospital Cuf Tejo, em Lisboa, e o funeral irá realizar-se no sábado também na capital.

Realizador de “O Cerco”, em 1970, a sua ligação ao cinema e à emergência da nova expressão remonta ao início da década de 1960, com a produção de filmes fundadores do Cinema Novo português como “Os Verdes Anos” (1963), de Paulo Rocha, e “Belarmino” (1964), de Fernando Lopes.

António Cohen da Cunha Telles, que nasceu no Funchal, em fevereiro de 1935, tinha praticamente concluído, e ainda inédito, o filme “Cherchez la femme”.

Filho de um advogado português e de uma cantora lírica dinamarquesa, foi no Funchal que António Cohen da Cunha Telles começou a fazer filmes ainda na adolescência.

No documentário “Chamo-me António da Cunha Telles” (2011), de Álvaro Romão, o produtor lembra-se de revelar a película desses primeiros filmes na banheira, em casa, porque de outra forma demoraria três meses, se enviasse para revelação no continente.

António da Cunha Telles tencionava estudar Medicina em Lisboa, mas acabou por seguir os caminhos do cinema. Dirigiu o jornal de atualidades “Imagens de Portugal”, passou pelos serviços de cinema da Direção-Geral do Ensino Primário e orientou cursos na Mocidade Portuguesa, e foi operador de câmara para a RTP, tendo filmado a visita da rainha Isabel II a Portugal em 1957.

Foi bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian e rumou a Paris para estudar realização no Institut d’Hautes Études Cinematographiques, onde se cruzou com Paulo Rocha. E é de Paulo Rocha o primeiro filme que Cunha Telles produz. “Os Verdes Anos” representa uma estreia para a maioria dos técnicos e elenco envolvidos e também para o próprio Paulo Rocha enquanto realizador.

O filme, protagonizado por Isabel Ruth e Rui Gomes, com música do guitarrista Carlos Paredes, é considerado um momento fundador de um novo cinema português, ao qual ficará ligado não só Cunha Telles como uma geração de outros realizadores, como Fernando Lopes, Manuel Guimarães, Faria de Almeida e António de Macedo.

“O triste cinema que ainda existia, sem graça, sem piada, sem ideias, cinzentão, não queria que nós aparecessemos, fechou-nos completamente as portas. (…) A minha primeira ideia era ter sido segundo assistente de um dos realizadores da época, para ver como funcionava. Isso foi-nos proibido. Aproximámo-nos entre nós e começámos a fazer filmes com equipas que inventámos”, disse Cunha Telles, em 2014, numa entrevista na rádio pública Antena 2.

Em 2014, quando dedicou um ciclo de cinema a Cunha Telles, a Cinemateca Portuguesa lembrava que o produtor criou o curso universitário de Cinema Experimental, “que formou grande parte da geração de técnicos do Cinema Novo”, e teve também um papel importante na distribuição, a partir de 1973, com a Animatógrafo.

“O seu papel como distribuidor, alicerçado numa lógica cinéfila que cultivou na Cinemateca Francesa nos tempos de estudante, é igualmente notável, tendo sido responsável pela exibição em Portugal de filmes clássicos de cineastas como Sergei Eisenstein, Jean Renoir, Jean Vigo, Roberto Rossellini, bem como de cineastas então emergentes: Nagisa Oshima, Alain Tanner, Bernardo Bertolucci e Glauber Rocha”, sublinhou a Cinemateca.

No currículo de Cunha Telles, enquanto produtor associado, ficam ainda filmes como “Angústia” (1964), de François Truffaut, “O barbeiro da Sibéria” (1998), de Nikita Mikhalkov, “Belle Époque” (1992), de Fernando Trueba, e “A filha de D’Artagnan” (1994), de Bertrand Tavernier, todos parcialmente rodados em Portugal.

A biografia oficial lembra que António da Cunha Telles fundou a distribuidora Animatógrafo, “considerada uma revolução no tipo de cinema visto em Portugal”, permitindo a chegada de filmes de realizadores como Sergei Eisenstein, Glauber Rocha, Bernardo Bertollucci, François Truffaut e Jean-Luc Godard.

António da Cunha Telles voltaria a assinar dezenas de produções de cinema, em particular a partir dos anos 1980, como “O Bobo” (1982), de José Álvaro de Morais, “Balada da Praia dos Cães” (1986), de José Fonseca e Costa, “O Fio do Horizonte” (1993), de Fernando Lopes, “Aqui na Terra” (1993), de João Botelho, e “Terra Sonâmbula” (2006), de Teresa Prata.

Também produziu telefilmes, em particular para a SIC, nomeadamente “Monsanto” (2000), de Ruy Guerra, “Mustang” (2000), de Leonel Vieira, e “Facas e Anjos” (2000), de Eduardo Guedes.

Apesar dessa multiplicação de funções no cinema, na produção, distribuição e formação, e em cargos diretivos, na administração do antigo Instituto Português de Cinema e na Tobis, Cunha Telles admitia em 2017: “No meu íntimo sou mais realizador do que produtor”.

A estreia de António da Cunha Telles nas longas-metragens de ficção aconteceu em 1970 com “O Cerco”, protagonizado por Maria Cabral e apresentado naquele ano em Cannes.

Também participou no filme coletivo “As Armas e o Povo” (1975), que retrata o período vivido em Portugal entre o 25 de Abril e o 01 de maio de 1974.

Nas décadas seguintes, António da Cunha Telles realizaria menos de uma dezena de filmes, como “Meus Amigos” (1974), o documentário “Continuar a Viver ou os Índios da Meia Praia” (1976), “Pandora” (1993) e “Kiss Me” (2004).

António da Cunha Telles, membro honorário da Academia Portuguesa de Cinema, foi agraciado em 2018 pela Presidência da República com o grau de Grande-oficial da Ordem do Infante D. Henrique.

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