De manhã estive a pedalar numa bicicleta sem rodas, que o meu amigo Luizinho roubou ao sogro e me emprestou. Fiz alguns quilómetros sem sair do quarto e a mim está-me a ser muito útil. Sendo dia da Liberdade, a sacana da bola pinchona de borracha saiu do esconderijo e foi colocada por mim numa prateleira e desprezei-a. Volta e meia a bola rebolava e caía em tom de desafio e coloquei-a numa taça. Se ela conseguir sair eu juro que começo a ler um livro de “Iniciação ao Voodoo para totós”, ou então recorro ao livro de magia negra de São Cipriano.
Também há uma forma de fazermos alongamentos em casa e estou a melhorar bastante do ombro direito. Coloquei dois quilos de arroz e outros dois de sal. Coloquei-os dentro de um saco pequeno. Fui roubar o pau da esfregona e fiz uma barra para alongamentos conforme podem ver na foto. E é assim, está tudo a correr bem e neste momento com o ombro direito faço tudo o que consigo com o ombro esquerda, apenas com um pouco mais de dores e ainda menos sensibilidade. Mas nada se faz sem esforço e às vezes, é necessário ir aos limites e ter um pouco de dor nas articulações e nos músculos, como por exemplo nos alongamentos. Estranhamente, devido ao AVC e consequente internamente e posterior cuidado com a alimentação, fiquei mais magro. Por outro, com a fisioterapia corrigiu-me as posturas para adquirir maior equilíbrio e o exercício físico fez o meu corpo um pouco mais musculado do que anteriormente era. Já foi comprovado numa foto que partilhei no whastapp com alguns amigos e amigas.
Mas voltemos à história.
Não se chama assim é um local onde estão os doentes mais críticos. Foi para aí de fui levado depois do primeiro TAC onde fui diagnosticado e fiquei nessa ala, pelo menos quatro dias. Parece assim uma camarata, entendi que existia pelo menos mais uma ala e onde estava, às vezes existiam cinco, outras vezes seis camas. Quando lá cheguei éramos só homens nos outros dias eram homens e mulheres ligados a sensores e a monitores, apoiados por médicos, enfermeiros e restante pessoal cuidadoso e eficiente.
Na parede da sala havia uma televisão para nos fazer companhia. A minha cama não possibilitava ver televisão nem conseguia ouvir o som com nitidez mas era uma companhia. Na primeira noite estava lá um senhor internado que começou refilar com supostamente presente mulher e ordenava-lhe que deixasse de falar ao telefone e fosse ter com ele. Foram horas nisto, que passaram a ritmar essas noites. Não dei conta de ter eu alucinado nalguns desses momentos, mas são situações muito complicadas e se não alucinei foi porque o meu estado não me levou a isso. Afinal, estávamos todos no mesmo barco e apercebemo-nos rapidamente da nossa situação, da nossa impotência e do quanto somos frágeis e dependentes, às vezes até dos companheiros na desgraça. O quanto é respeitoso o nosso silêncio, o deixar extravasar aquele nosso colega do serviço de neurologia.