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A última vez que vi Manoel de Oliveira

A última vez que vi Manoel de Oliveira foi quando o maior realizador português de todos os tempos estava entre Clint Eastwood e Michel Piccoli com a palma de ouro do festival de Cannes nas mãos.

O maior festival de cinema do mundo tinha decidido oferecer ao realizador – que nessa altura contava 99 anos – a palma que ele nunca tinha recebido mas que toda a Sétima Arte lhe atribuiria sem pensar duas vezes pela enorme obra cinematográfica que assinou.

Manoel de Oliveira subiu ao palco acompanhado da sua fiel bengala e quando Piccoli lhe disse, “devagar que estamos velhos”, o português respondeu-lhe: “fala por ti”. Oliveira tinha mais 13 anos do que o ator francês. Sempre admirei o seu sentido de humor, mistura de “british” com portuense de gema.

O cruzamento do meu modesto caminho com o do mestre do cinema português foi sempre em Cannes.

No ano de 1997 Oliveira apresentava o seu filme mais autobiográfico de todos, “Viagem ao Princípio do Mundo”.

O papel de “Oliveira” era, se assim se pode dizer, desempenhado por Marcello Mastroianni. O ator italiano tinha falecido logo depois de a rodagem terminar, e na sala estava, a representá-lo e a ver o último filme do pai, a sua filha Chiara.

No final da projeção, entre os aplausos demorados da plateia, Manoel de Oliveira e os atores do filme levantam-se para agradecer. Chiara Mastroianni imitou-os, lavada em lágrimas que não conseguiu conter durante quase toda a cerimónia.

Eu estava sentado na fila imediatamente atrás da equipa do filme e não resisti ao apelo da minha costela de papparazzo. Peguei na máquina fotográfica e retratei Chiara, a chorar, abraçada à esposa de Manoel de Oliveira que, entretanto, também se tinha comovido.

Depois de três disparos apercebo-me de que o mestre me observava. O olhar de Manoel de Oliveira tinha a característica dos grandes homens: penetrava a alma e deixava-nos despidos. Senti-me desmascarado e pensei que Oliveira me ia criticar pela ousadia ou pela falta de respeito pela privacidade das senhoras. Em vez disso, o mestre encolheu os ombros e olhando-me nos olhos declarou: “Mulheres!”.

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