Por vezes torna-se complicado perceber, quanto mais explicar a sociedade portuguesa. Após oito longos anos de governação à esquerda, que ainda haja uma alma sequer disposta a votar no PS, no Bloco ou no PCP, é algo que desafia a racionalidade. Vivi boa parte da minha vida em Portugal, e não me lembro de haver jogos da 1a Liga cancelados por falta de polícias. Ou que boa parte das vagas na função pública, nos tribunais e nos hospitais por exemplo, fiquem por preencher por falta de interesse. Os governos de António Costa conseguiram o inimaginável, tornar um emprego público desinteressante para os portugueses. Por isso, como explicar que no próximo dia 10 de Março, exista quem saia de casa para escrevinhar uma cruz ao lado do símbolo do estado a que isto chegou ?
Se também está com dificuldades em compreender, está com sorte porque eu tenho uma teoria. E tenho a certeza que pelo menos metade dos leitores a vão compreender. No essencial, é isto: as coisas estão tão más em Portugal, que é como se o país tivesse a pila presa no fecho éclair. Doi, mas puxar o fecho também doi. E claro, puxar pela dita cuja doi igualmente. Por isso Portugal foi posto perante um dilema pelo qual certamente alguns de nós já passaram. O que puxar ? Ou dito de outra forma, há tantos problemas para resolver que não é possível sair deste buraco sem danos sociais.
Mas tenho que ser honesto, esta teoria não é uma originalidade minha. É apenas uma forma de explicar a Teoria da Aversão, que basicamente diz que o ser humano é avesso à perda. Entre ficar quietinho a sofrer ou arriscar uma mudança que pode correr bem ou mal, o bicho homem escolhe quase sempre o sofrimento. Não é uma especificidade portuguesa, como poderão alguns pensar, mas sim algo inherente a todos os outros macacos que andam pelo planeta de smartphone na mão. E é uma teoria tão importante, que em 2002 deu um prémio Nobel da Economia aos seus autores, Amos Tversky e Daniel Kahneman. Teoria de Aversão pode ser um nome digno de receber um prémio Nobel, é certo, mas a Teoria do Fecho Éclair ganha claramente pelo poder descritivo.
À luz da Teoria da Aversão, António Costa deixa de ser o génio político que alguns ainda o consideram ser. Afinal, o tal golpe de génio de António Costa em 2015 foi apenas convencer os portugueses a fazer algo que eles já teriam tendência natural para fazer. Ou seja, nada fazer e esperar que as coisas melhorassem como que por milagre. Ou recorrendo à metáfora do fecho éclair, Costa explicou ao país que na verdade a dor até nem era assim nada por aí além. E depois, com um puxãozinho aqui, outro acolá, quase nem se sentia o encravamento das partes sensíveis.
O que tramou António Costa, e por arrasto Portugal, não foi um parágrafo do Procuradoria-Geral, por muito que ele queira que nós acreditemos nisso. Não, o que nos lixou foi o pequeno pormenor chamado realidade. É verdade se não nos mexermos, no imediato a nossa situação dificilmente piora. Mas o mundo, já diz o poeta, é feito de mudança. E quando a realidade, na forma do Covid e da guerra da Ucrânia, nos bateu à porta, apanhou-nos com a mão nas calças. E todo o sofrimento que esperávamos evitar não mexendo em nada, agora temos a dobrar. Temos um terço dos jovens, diplomados e emigrados por esse mundo fora. Temos as forças policiais a protestarem, no que parecerem querer ser seguidas pelos militares. Temos alunos sem aulas, hospitais sem urgências e tribunais sem funcionários. A única coisa que não temos ainda é uma forma clara de sair desta embrulhada.
À força de não querer fazer mudanças para não prejudicar ninguém, acabámos por prejudicar toda a gente. Será que vai ser no próximo dia 10 de Março que vamos ter a coragem de desengatar o fecho éclair ? Ou vamos fingir que aguentamos mais uns anos?
Nelson Gonçalves