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A preocupação da Rússia pelas crianças ucranianas

© Lusa

Não deixa de causar surpresa que, entre as várias dezenas de países que acolheram milhares de menores ucranianos fugidos da guerra, a Federação Russa se tenha dado ao trabalho de apontar o dedo a Portugal, Espanha e Alemanha onde alguns filhos foram retirados às mães para serem colocados em instituições de proteção de menores. As declarações do embaixador russo nas Nações Unidas apenas podem ser interpretadas como uma forma de desviar a atenção da acusação do Tribunal Penal Internacional de deportação e deslocações forçadas de milhares de crianças ucranianas, o que constitui um dos elementos de crime de genocídio.

A verdade é que, nas últimas semanas, a pressão internacional sobre a Federação Russa tem aumentado enormemente, tendo culminado com a emissão de um mandado de captura internacional do TPI para Vladimir Putin e para Maria Lvova-Belova, a mediática comissária para os Direitos das Crianças e braço direito de Putin na operacionalização das deportações de crianças, onde se inclui a sua doutrinação nos valores da cultura russa, a chamada “russificação”, em centros de acolhimento espalhados pela Rússia, em territórios ocupados e na Bielorrússia.

A Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa tem em preparação um relatório, de que sou o autor, precisamente sobre a situação das crianças ucranianas deportadas ou deslocadas à força, que será dfinitivamente aprovado na próxima sessão plenária de abril em Estrasburgo, e que certamente não será do agrado da Federação Russa.

É absolutamente risível esta súbita preocupação com o destino das crianças ucranianas, quando a invasão russa já provocou cerca de 14 milhões de deslocados, sobretudo mulheres e jovens, oito milhões dos quais foram acolhidos em vários países da Europa, deixando para trás maridos, pais e irmãos que ficaram a combater e muitos não voltarão a ver. Uma tragédia imensa que não se via desde a Segunda Guerra Mundial, a que a União Europeia e os seus Estados-membros têm dado um apoio incondicional para facilitar o acolhimento de todos os refugiados.

O verdadeiro problema não são as crianças ucranianas que estão em Portugal ou em qualquer outro país europeu ou aquelas que tenham sido colocadas em alguma instituição, porque isso decorre no âmbito das precauções que cada Estado tem com as crianças no sentido de as proteger no seu melhor interesse. O problema é Vladimir Putin ter iniciado, já mesmo antes da invasão, uma política sistemática de deportação de crianças ucranianas para a Federação Russa ou para territórios sob sua ocupação, que poderão ser várias centenas de milhar e cujo paradeiro de muitas é desconhecido. Muitas são menores não acompanhados, outras são crianças que foram levadas de orfanatos ou de instituições pediátricas, outras foram separadas dos pais, que nalguns casos foram presos ou assassinados, outras foram levadas na altura dos bombardeamentos em autocarros de evacuação contra a sua vontade ou sem saberem para onde iam.

As deportações ou deslocações forçadas de crianças em tempo de guerra do país agredido para o do agressor é um dos elementos considerados crime de genocídio. E as provas foram fornecidas pela própria Federação Russa em forma de propaganda interna, através da divulgação pela imprensa de reportagens sobre o acolhimento de crianças ucranianas, a sua entrega para adoção a famílias russas e a sua distribuição pelos centros de acolhimento para “reeducação” em várias províncias.

Estas práticas, no entanto, são uma violação flagrante e grosseira do Direito Internacional Humanitário e de todas as convenções sobre a guerra, particularmente o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional e a Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, que de nem a deportação ou as deslocações forçadas de crianças como crime de genocídio, considerado o crime
dos crimes, por ter subjacente o propósito de aniquilação de todo um povo.

Paulo Pisco, deputado

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