
(sonho em dois actos)
I
há nove meses e uma noite
eu sonhei que entrei
num duelo com Schopenhauer
o combate teve lugar
na Piazza della Signoria
durante uma amena madrugada
nas mãos de ambos os dualistas
como mandam as regras
armas iguais uma pistola
reparei que na minha
estava gravado Made in Heaven
o meu padrinho era Pushkin
Wagner o do meu adversário
dados alguns passos
o meu oponente virou-se para mim
e eu para ele
aliás como em todos os duelos
eu apoiei rapidamente o gatilho
apoie-o repetidamente mas nada
ao filósofo sucedeu-lhe o mesmo
ao mesmo tempo que ia vociferando
pessimismos na sua língua materna
de súbito ouviu-se uma estrondosa gargalhada
era Dalí
diante de uma colossal tela
a tentar retratar a peripécia
no mesmo momento
vejo passar sozinho acidental
um turista oriental
eis que dou por ele a colocar o seu curioso
olho direito no visor da sua Leica
e enquadramento feito ouço um disparo
a luz do flash fez-me despertar
II
necessário não foi muito
para voltar a adormecer
desta vez o extravagante dramaturgo-encenador
falo obviamente do meu cérebro
colocou-me no MoMA
no meio de dezenas de pessoas
diante de uma imensa fotografia
espanto
tratava-se do registo feito pelo tal turista
que entretanto acabara de tornar-se famoso
de súbito a meu lado
vejo a Mona Lisa sacar da sua mala Louis Vuitton um spray de tinta
a começar a desenhar vários corações
e várias letras L e V sobre a obra de arte
eu começo a gritar a soluçar
a esbracejar a espumar
a dizer constantemente as palavras
não e pára
isto é um crime
(notei que na didascália dizia:
atirar os mais inimagináveis palavrões
urrar o nome de Leonardo da Vinci
– mas dentre tudo o que me fervia
na imaginação a minha língua não soube prenunciar
nem meia sílaba do que constava na dita didascália)
não
pára
(para meu espanto
e sem qualquer explicação otorrinolaringolinguística
saiu-me um
pára sua grande puta)
imersos num espantoso silêncio
todos os olhos me olharam espantados
quando eu estava à beira
de ficar sem voz
a Mona Lisa decidiu parar
dentre o público presente
uma voz emergiu e começou a falar
sobre a gravidade do estrago
era Newton
logo após
todos pudemos escutar
uma estrondosa gargalhada
era Dalí
de novo
acordei
(acordei a tremer
cheio de frio e a transpirar)
depois
foi a minha vez
de soltar uma gargalhada
escrevi esta história
para provar que sou sublime
(Dedicado a Radu Rondelez)
dm