Essa morena é a minha paixão,
é a criatura mais formosa
que fica toda dengosa
quando vê um negão
— e eu sou pardo que nem papelão.
Essa morena é a minha tentação,
mulher tão bela e tão alinhada,
mas fica inteira desmoronada
quando se depara com um negão
— e eu sou descorado, sou amarelão.
Quando ela me abraça e me beija o rosto,
meu corpo fica em plena fervura,
logo em seguida me faz rei deposto
e diz “Ai, ai, se tu tivesses a pele escura…”
Essa pequena é a minha perdição,
por ela vivo assim enlouquecido,
me sussurra que sou seu amigo,
que vivo dentro do seu coração,
mas que por mim não sente atração.
Com o seu perfume de açucena
essa pequena é o meu fetiche,
e me fala que é uma pena
que eu não tenha pele de azeviche.
Ah! Meu Deus! Por que brincaste assim comigo?
Não vês que o meu maior castigo
é a epiderme sem definição,
o couro fosco feito papelão?
Seu andar é puro encantamento,
nem mulher disfarça a admiração,
ninguém escapa do arrebatamento
do seu sorriso, da sua distinção.
Quando na padaria lá do mercado
vai comprar o leite e o pão,
o padeiro todo deleitado
não quer cobrar e segura a sua mão.
Ao meio-dia causa alvoroço
na construção na hora do almoço;
no fim da tarde com o bar tão cheio
dá um sorriso e causa tanto enleio,
dobra a esquina, vai-se como veio.
Essa morena é a minha paixão,
é a criatura mais formosa
que fica toda dengosa
quando vê um negão
— e eu sou pardo que nem papelão,
sou descorado, sou amarelão.