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“Água Silêncio Sede”

Comemora-se este ano o centenário do nascimento da escritora Maria Judite de Carvalho (Lisboa 1921-1998).

Contemporânea de escritoras de renome a nível nacional como : Alice Vieira, Agustina Bessa Luís, Natália Nunes, Maria Teresa Horta  de A sua obra espraia-se em vários géneros literários; o romance, o conto, a poesia, a crónica. Sendo a sua obra de qualidade literária de excelência , é uma das escritoras esquecidas neste tempo de grande impermanência, um tempo líquido, onde tudo se esvai, tudo se esquece muito rapidamente . É uma “ Mulher rara” escritora que “escrevia com essa crueza de quem escreve o que vê, sendo que o bizarro do mundo, a tragédia da humanidade tanto pode ser descrita como escrita ficcionalmente, já que a literatura está muito mais nos olhos de quem vê do de quem a tem de inventar.” Escreve Rosa Azevedo no posfácio desta coletânea.

Para contrariar um pouco esta propensão em que se vota ao esquecimento uma  grande parte dos escritores que marcaram uma época e uma tendência literária vão nascendo iniciativas, como esta,  no sentido de trazer ao presente as suas obras, lê-las, senti-las, reconstruir as temáticas, dar-lhes notabilidade, destaque, visibilidade.

Neste sentido, Lilia Tavares e Carlos Campos, ambos escritores e poetas, fundadores da pagina/blog no Facebook  “Quem lê Sophia de Mello Breyner” decidiram organizar esta Antologia de homenagem a Maria Judite de Carvalho “Água Silêncio Sede”. Obra que reúne 123 poetas de dispersos por diversas partes do mundo.

“Ecrire : pour ne pas laisser la place au mort, pour faire reculer l’oubli, pour ne jamais se laisser surprendre par l’abime. Pour ne jamais se résigner, se consoler, se retourner dans son lit vers le mur et se rendormir comme si rien n’était arrivé” (Cixous, 1986 p. 11)

É neste acto de criação, de escrita, de uma forte vontade de fazer recuar o esquecimento que os 123 poetas que compõem esta obra vão ler, revisitar, reconstruir  as temáticas da escritora Maria Judite De Carvalho, criando muitas vezes um diálogo  entre as suas palavras e as palavras da escritora.

Ao longo da antologia os vários poetas vão revisitar  a “paisagem temática”  da escritora Maria Judite de Carvalho. E a “paisagem temática” da escritora Maria Judite De Carvalho é sobretudo a solidão, a tristeza ,o desamparo, o exílio interior. Casos humanos de solidão, desajustamentos da condição feminina num quadro social e político. Num quotidiano sujeito a rotinas, desencantos, amarguras, a silêncios desmesurados, tristezas indizíveis.

Quase só mulheres, tristes até ao imo, tão sós (e tanta

gente, à volta, tanta gente…), habitam as páginas

massacradas. Poucos textos comovem como os de Maria

Judite, os seus contos são já poesia, pela consciência de que

fica sempre dentro do peito um não sei quê, que nasce não

sei onde, vem não sei de onde, e dói, sabendo bem nós

porquê: um fascismo entranhado ensombra a narrativa,

muitas vezes não o político, às escâncaras; o fascismo que

se insinua e nasce dos quotidianos pobremente tristes das

personagens, da prática, da vida baça, do dia-a-dia abafado

em que habitam. Um fascismo de costumes bem enraizado

no viver das personagens (medo, solidão, vidas sem saída,

infelicidades crónicas, bem profundas). E porque são

essencialmente mulheres as suas personagens, esta mesma

tristeza atravessando os contos de Maria Judite de Carvalho

tem «também aquela beleza da tristeza de se saber mulher” (autores, 2021 p. 143)»

Este sentimento de  exílio profundo dentro de si mesmas, dentro do espaço social em que se movem, como tão bem escreve Rita Taborda Duarte.

Todos os contributos poéticos desta Antologia comemorativa do centenário da escritora são uma acha a mais numa fogueira que se quer viva e dinâmica. Ao revisitar a obra da escritora, resignificar as temáticas, dialogando com as personagens, ir ao encontro do passado, estamos todos a contribuir para que obras com a densidade humana e histórica de um tempo relatada na narrativa da autora  não esmoreça e não caia no profundo silêncio, no profundo esquecimento.

Seria impossível neste pequeno contributo, nomear todos os autores que na elaboração da obra. Mas todos, trouxeram um pouco da grandeza da escritora. E todos, em comunhão, partilharam do mesmo sentido de honrar a mulher e a obra,  de contrariar o esquecimento.

“ Le livre, avec l’aide de la mémoire et de l’oubli, je pouvais le relire. Le recommencer. D’un autre de vue, d’un autre, d’’un autre. En lisant j’ai découvert que l’écriture est infinie. L’inusable, L’éternel (Cixous, 1986 p. 33) »

Homenagem poética a Maria Judite De Carvalho no centenário do seu nascimento, Seleção e organização: Lilia Campos e Carlos Campos. Edição: Poéticas edições. Participação: 123 autores.

Bibliografia

Rita Taborda Duarte, autores, Vários. 2021. Água Silêncio Sede. Lisboa : Poética Edições, 2021.

Cixous, Héléne. 1986. Entre l’écriture-des femmes. Paris : Editions des femmes, 1986.

São Gonçalves

 

 

 

 

 

 

 

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