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África do Sul: empresários portugueses forçados a contornar falhas energéticas

© DR

Vários empresários portugueses ou com fortes ligações a Portugal confessaram à Agência Lusa que têm sido forçados a adaptar os seus negócios às constantes falhas de energia que têm assolado a África do Sul. Há quem pague fortunas para alimentar geradores e até quem dispense funcionários durante os apagões.

Pedro afirma-se otimista sobre o futuro do seu negócio de restauração em Joanesburgo porque não lê “notícias más”, mas admite que os últimos seis meses foram os “mais difíceis” que viveu na África do Sul, afetada por cortes de energia.

“Agora, os custos para se estar aberto em ‘load shedding’ [cortes de eletricidade] são muito mais elevados porque temos que pagar o gasóleo”, sublinha Pedro Lopes, referindo-se ao gerador a gasóleo partilhado no Centro Comercial Hobart, em Bryanston, um dos subúrbios mais ricos de Joanesburgo, onde gere o ‘Doppio Zero’, o segundo de dois restaurantes na cidade de que é proprietário.

“A eletricidade está sempre a ir e vir”, descreve o empresário português, de 50 anos, natural de Viseu, explicando que no mês passado teve “uma conta de gasóleo de 40.000 rands [2.058,87 euros]”, além das despesas correntes, rendas, gás e eletricidade, que tem que pagar por inteiro “mesmo que não se tenha eletricidade durante oito horas”.

“O gás também subiu [10%], (…) a eletricidade subiu há um mês mais 18%”, explicou, sublinhando: “Cada dia, temos que gastar mais para estarmos abertos”.

Contas feitas, diz este profissional de restauração, são mais 70.000 rands (3.600 euros) por mês “para tentar manter a qualidade do serviço, com todos os equipamentos a funcionar, incluindo o ar condicionado”.

“Isto está a ficar tudo muito mais caro”, reiterou, afirmando que desde o início da guerra na Ucrânia, há um ano, “as farinhas e o óleo aumentaram 120%, por exemplo”.

Dados oficiais indicam que a inflação anual na África do Sul caiu ligeiramente em janeiro, para 6,9%, face aos 7,2% no mês anterior, com os preços dos vegetais a subir significativamente 5,2% em dezembro e janeiro, enquanto o preço do pão e dos cereais dispararam 22,1% face ao valor homólogo, e a carne aumentou 11,2%. A inflação tinha atingido um máximo histórico no país de 7,8% em julho.

Todavia, sobre o futuro, face aos atuais desafios, Pedro Lopes disse à Lusa que não se sente arrependido de ter apostado no país de Mandela, em 2010, após 18 anos na restauração em Londres e uma breve passagem por Portugal e Itália depois da crise financeira global de 2008. A marca da cadeia de “franchising”, que é uma das mais prestigiadas no país, também ajuda.

“Pessoalmente, sim, estou confiante, não dou muita atenção a notícias más e por isso tento viver a vida e o negócio, e de resto temos que fechar os olhos, é muita coisa”, respondeu com simpatia.

Questionado sobre o agravamento da insegurança devido à falta de eletricidade, comentou: “Em algumas zonas sim, em áreas com pouca iluminação o risco é maior”.

É o caso de um funcionário da estação de serviço junto ao centro comercial, que pediu o anonimato, quando explicava à Lusa como foi assaltado à mão armada na quinta-feira, no regresso a casa, à noite, em Tembisa, arredores de Joanesburgo.

“Faltou a luz na praça de transportes públicos, não estava iluminada e repentinamente saíram dois jovens de um carro apontando uma arma ao meu estômago, e levaram o dinheiro todo e o telemóvel”, explicou, acrescentando: “Só me deixaram ficar a vida”.

Já Lorraine Segone, de 51 anos, responsável pela loja de refeições pré-preparadas e congeladas ‘Goodness Gracious’ (GG), uma marca criada na Cidade do Cabo, inaugurada há cerca de 15 meses no Centro Comercial Nicolway, também no subúrbio de Bryanston, relatou que a falta de eletricidade se tornou “insuportável” para dar continuidade ao negócio.

“Atualmente nem conseguimos vender 10% porque os nossos clientes também não conseguem manter várias refeições no seu congelador em casa como o faziam anteriormente”, explicou à Lusa.

Esta semana, adiantou Lorraine, com o agravamento dos cortes de eletricidade para nível 6 (de quatro a seis períodos alternados de duas a cinco horas sem eletricidade por dia), a resposta do gerador “tem sido lenta, o que afeta também os congeladores”.

Lorraine, com uma filha a terminar a licenciatura em Direito, e o pai com demência sob os seus cuidados, no Soweto, já que a irmã, enfermeira, emigrou para o Reino Unido, avançou à Lusa que o proprietário investiu três milhões de rands (154 mil euros) na abertura do estabelecimento, o segundo em Joanesburgo, mas que “está frustrado” com a atual situação de crise que o país atravessa.

“Ele vai fechar o negócio e nós vamos para o desemprego”, sublinhou.

No ‘Matte Black’, um ‘lounge bar’ modernista, promovido por um DJ sul-africano que já atuou no Algarve e em Vila do Conde, no piso superior do mesmo centro comercial, o desafio é “sincronizar” a cadência da música com os horários dos apagões da concessionária Eskom, que nem sempre cumpre, referiu Ali Mhlanga, o responsável pela gestão do espaço, à Lusa.

“Os DJ não conseguem passar música normalmente, e os cortes de eletricidade também afetam os equipamentos de som, porque são irregulares”, adiantou.

Também neste estabelecimento, o custo do recurso a geradores ascende a mais de 3.000 euros por mês, mais a despesa com o gasóleo, sendo que os apagões regulares agravaram os custos operacionais do negócio em mais de 40%, segundo o responsável.

“Também temos que reduzir o número de funcionários quando não há eletricidade, por falta de clientes, o que empurra as pessoas para o desemprego”, frisou Ali Mhlanga, à Lusa.

A África do Sul sofre cortes regulares de energia desde o mandato do segundo Presidente do país, Thabo Mbeki (1999-2008), mas os novos cortes de distribuição de energia são os mais severos desde dezembro de 2019, privando os sul-africanos de pelo menos 12 horas de eletricidade por dia.

Depois de anos de má gestão, a empresa pública Eskom, que produz 90% da eletricidade da África do Sul, está endividada em 422 mil milhões de rands (22,1 mil milhões de euros) e incapaz de produzir energia suficiente para o país, que provém em 80% do carvão.

Em abril de 2022, o chefe da Justiça sul-africana, o juiz Raymond Zondo, revelou no seu relatório que a comissão judicial de inquérito à captura do Estado pela grande corrupção pública na Presidência de Jacob Zuma (2009-2018), identificou 14,7 mil milhões de rands (756,6 milhões de euros) na adjudicação de contratos alegadamente irregulares na estatal elétrica.

Desde a sua eleição em 2018, o atual Presidente, Cyril Ramaphosa, tem prometido o fim da crise energética, bem como uma mudança radical na estrutura da Eskom para reverter a situação desta gigantesca empresa, que tem mais de um século de experiência e foi uma das maiores e mais eficientes empresas de eletricidade do mundo.

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