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Afinal que língua se fala no Luxemburgo?

Quando estou de férias em Portugal há duas questões que os meus amigos e conhecidos repetem. A primeira é “como vão as coisas em Bruxelas” e a segunda – se eu me dou ao trabalho de explicar que não vivo em Bruxelas mas no Luxemburgo – costuma ser “afinal que língua se fala no Luxemburgo?”.

Quase toda a gente hesita em apostar que o luxemburguês é a língua do Luxemburgo, e poucos têm a certeza de que tal língua exista. O luxemburguês é falado por menos de 300.000 pessoas e pertence ao grupo de idiomas do alto alemão. É um dialeto daquela língua, aparentado aos da vizinha Renânia, com a particularidade de ter absorvido muitas palavras da língua francesa.

O legislador luxemburguês não usa – nem na constituição nem na legislação relativa aos idiomas – a palavra “oficial” para designar a língua luxemburguesa. O que a lei do regime de línguas diz no seu artigo primeiro é que a língua nacional dos luxemburgueses é o luxemburguês.

A coisa complica-se porque as leis são escritas em francês, mas os regulamentos das autarquias podem ser redigidos noutras línguas (as exceções costumam passar pelo alemão e, muito raramente, pelo luxemburguês).

Nos tribunais pode ser utilizada a língua francesa mas também a luxemburguesa e, naturalmente, todos os envolvidos num processo têm o direito de utilizar a sua língua materna se não perceberem nenhuma duas línguas processuais, o que ocorre em quase um terço dos casos.

O Luxemburgo acaba de alterar a lei da nacionalidade, consagrando o direito do solo, mas colocando o conhecimento da língua luxemburguesa como condição para se obter um passaporte do Grão-Ducado. Curiosamente foi um luxemburguês de origem portuguesa que defendeu a lei que entrou em vigor dia 1 de abril. Félix Braz tem as suas raizes no Algarve e singrou na política luxemburguesa no partido ecologista luxemburguês Déi Gréng. Apesar de não ter concluído o curso de Direito, Braz é o ministro da Justiça do governo de coligação socialista-liberal-verde (uma espécie de geringonça) que dirige o país desde dezembro de 2013.

A nova lei teve a sua origem numa proposta do partido democrata-cristão, maioritário no parlamento, mas que está na oposição, o CSV, partido de Jean-Claude Juncker.

Braz defende esta nova legislação, praticamente consensual a nível partidário, porque acredita que facilitará as naturalizações. “A lei é mais aberta e acessível e permite o acesso de todos à nacionalidade”, afirmou o ministro. O diploma reduz o prazo de residência de sete para cinco anos e introduz o direito do solo, prevendo assim que os filhos de não-luxemburgueses que nascem no país obtenham a nacionalidade aos 18 anos, ou então a pedido dos pais, a partir dos 12.

Algumas organizações de estrangeiros consideram injusto ou discriminatório que a lei mantenha a língua luxemburguesa como condição para a obtenção da nacionalidade. Para os residentes há mais de vinte anos “basta” frequentar 24 horas de aulas de luxemburguês. Para os outros é necessário passar exames daquela língua. Curiosamente, num país com três idiomas de uso corrente e quase generalizado, a única língua exigida para obter a nacionalidade é um dialeto.

Esta insistência dos luxemburgueses na sua língua é relativamente recente. Há 25 anos atrás não havia televisão nessa língua e a maioria das emissões de rádio eram tudo menos profissionais. Hoje, a RTL garante emissões de rádio e televisão em luxemburguês e alguns dos jornais publicam nessa língua, apesar da dificuldade que os redatores têm em dominar corretamente um idioma que é sobretudo oral.

Talvez a falta de pessoas que saibam escrever luxemburguês corretamente seja uma das razões pelas quais o Grão-Ducado não tenha pedido (ainda) à União Europeia para integrar a lista das línguas oficiais da Europa. A recente e difícil experiência do gaélico, que ainda não é língua 100% oficial da UE por evidente falta de recursos humanos competentes, poderá ter esfriado os ímpetos das autoridades luxemburguesas.

Como a Irlanda, o Luxemburgo é dos raros países europeus onde convivem várias línguas no mesmo espaço geográfico. A Bélgica, por exemplo, tem três línguas oficiais mas elas praticam-se em zonas geográficas bem definidas (com exceção da capital que é formalmente bilingue), e a mesma realidade é vivida na Suíça.

O caso mais semelhante ao do Luxemburgo poderá ser o da Letónia. O Estado báltico tem uma língua oficial, o letão, mas conta com uma minoria superior a 30% de russos étnicos que utilizam a língua russa no dia-a-dia e dispõem de uma centena de escolas na sua língua.

Na capital, Riga, qualquer pessoa que trabalhe com o público, fala fluentemente letão e russo e, de preferência inglês, que os letões mais jovens falam muito bem. Em qualquer restaurante do centro é normal que o empregado receba os clientes com uma dupla forma de acolhimento “Labdien! Здравствуйте!”. O cliente escolhe a língua em que pretende continuar a conversa. Mas esta situação não é pacífica. O presidente da Câmara de Riga, que é de origem russa, foi acusado de utilizar russo na sua página Facebook.

No Luxemburgo, é raro registarem-se polémicas públicas sobre o uso das línguas do país, mas o luxemburguês é uma ferramenta seletiva pois tem servido para limitar o acesso de estrangeiros a certas posições na administração pública assim como no setor privado.

Esta “política” tem dado resultados, tal como o investimento das autoridades na língua tem provado a sua eficácia: nunca se falou tanto luxemburguês no Luxemburgo e, a prová-lo estão as mais de 40 mil naturalizações nos últimos 15 anos, número para o qual os portugueses contribuíram com pelo menos metade.

Na última década aumentou claramente o número de lojas onde os clientes são recebidos com um “moien” (bom dia, em luxemburguês) em vez de “bonjour”. Um pouco à maneira daquilo que se passa em Riga, no Luxemburgo, e sobretudo na capital, o código é claro: quando um cliente entra numa loja anuncia a língua que pretende falar através do “bom dia”. Imediatamente, o vendedor vai adotar a língua do cliente: francês, luxemburguês, alemão ou mesmo inglês. Na verdade, e dada a enorme presença de portugueses ou lusodescendentes no mercado de trabalho do país (estimada em 25% dos trabalhadores residentes) entrar numa loja e dizer, em português “bom dia!” também é provável que funcione…

Falta saber se as próximas gerações de portugueses vão manter a língua dos pais, dados os entraves que o Luxemburgo tem colocado a um ensino de português integrado, mais motivador para as crianças e mais prático para os pais. O acordo assinado esta semana entre os dois governos é manifestamente um recuo na batalha pela alfabetização dos pequenos lusodescendentes do Luxemburgo, mas este já é assunto para mais um artigo.

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