De que está à procura ?

Colunistas

Abigail Wimer: a arte como despertar de consciências

Criadora de seu próprio método de teatro, quase três décadas atrás, através do curso TerraPalco, no qual reúne teatro, música e dança, Abigail Wimer estreou com atriz em 1972, atuando também como compositora, pianista, diretora musical e teatral. Recebeu, ao longo da carreira, importantes prêmios, como APCA e Mambembe. A peça teatral HomoShoppiens, seu mais recente trabalho, discute com arte e sensibilidade os descaminhos da sociedade de consumo em que estamos imersos, no mais das vezes, sem nos darmos conta.

Pode nos contar um pouco sobre sua trajetória no teatro?

Vim de uma família que teve a arte como centro da vida. Eu tive a música desde a infância, o teatro desde jovem. Primeiro o canto e o piano, depois a atuação e a dramaturgia. Finalmente, a trilha musical, a composição e a direção teatral. Trabalho sempre junto – a música e o teatro – e profissionalmente sempre trabalhei em grupos. Com o tempo, criei um método para ensinar teatro aos jovens. Assim nasceu a metodologia Teatro Livre Abigail Wimer, que depois renomeamos como TerraPalco. O grupo profissional que encena HomoShoppiens nasceu da soma de alguns dos jovens que trabalharam comigo mais de dez anos e que se profissionalizaram no teatro. Outros vieram da montagem de Depois Daquela Viagem, texto de Dib Carneiro Neto, espetáculo que é do repertório da companhia. Por último, um ator, que chegou através da imersão que fizemos em 2019, com atores e não atores, sobre o tema consumismo. 

Quando surgiu a ideia de criar o Espaço Leão, na Zona Norte de S.Paulo? Em que princípios ele se pauta?

Em 2012, trouxemos o curso de Teatro Livre Abigail Wimer para o espaço, que estava desocupado e carente de manutenção. Em 2014, a Imagem Essencial, produtora independente, passou a assumir sua gestão. Em 2016, foi nomeado Espaço Leão, uma referência à Rua Leão XIII, na qual está localizado. Atualmente, o Espaço Leão é sede da Cia Encontro em Cena, do projeto de curtas metragens Atauara para crianças e da produtora parceira Linha de Montagem. O Espaço Leão abriga iniciativas culturais e formativas nas diferentes linguagens artísticas, constituindo-se importante polo de cultura na zona norte da cidade. É um casarão que foi construído na década de 50 e possui salas amplas, com pisos em taco e detalhes delicados de gesso no teto. Sua estética tradicional contrasta com as mais diversas propostas artísticas, que reúnem apresentações intimistas, saraus, shows musicais e espetáculos teatrais. O espaço ainda conta com estrutura para gravações em audiovisual e um estúdio cromaqui, onde são gravados os curtas metragens do projeto de audiovisual para a infância. Nos últimos meses, passaram pelo Espaço Leão a Banda Mantiqueira, Izaías e seus Chorões, Liv Moraes, Slam de Poesias, João Donato, entre outros.

A peça HomoShoppiens, da qual é coautora e diretora, mergulha profundamente nos descaminhos da sociedade consumista em que vivemos. Como foi sua gestação?

Sou uma pessoa intuitiva. Sempre começo com uma pergunta essencial que nasce de uma observação e leva à pesquisa e ao processo criativo. Posso dizer também que nasce de um incômodo muito grande ou de algo estranho no ar. Assim foi com o consumismo. A pergunta, a pesquisa, a criação, o espetáculo.

Qual o significado de trabalhar com jovens atores, que além de atuarem, participaram da elaboração da dramaturgia do espetáculo?

Eu me lembro, nitidamente, quando era jovem, do impacto que tinha com espetáculos teatrais. Eram de tal força que mudavam o rumo do meu pensar e do meu sentir. O teatro e a música foram, muitas vezes, um divisor de águas em minha vida.  Por conta dessa memória, eu sempre olhei o jovem sendo capaz de mudar-se e mudar o mundo em que vive, com uma força e entusiasmo únicos. Construo a dramaturgia junto com a direção. Inspiro-me na pesquisa, nas conversas, nos debates, na improvisação. Isso faz com que cheguemos numa narrativa muito viva e capaz de alcançar, com facilidade, o público geral e o jovem.

A forma sutil com que somos no mais das vezes engolidos pelo consumismo admite algum antídoto?

O antídoto para o consumismo, como para tudo que nos aprisiona, é a abertura e a elevação da consciência. A arte é fundamental para isso.  O teatro e a música são as ferramentas que sei usar.

O processo consumista começa mesmo em tenra infância, conforme HomoShoppiens tão lucidamente aborda?

Sim, a infância está desprotegida. É preciso muito esforço de todos para remarmos contra essa construção impiedosa social que estamos vivendo.

Em que sentido a arte pode despertar nas pessoas nova consciência quanto à máquina consumista em que estão submersas e quase sempre não se dão conta?

A arte faz com que as pessoas se perguntem e essa pergunta é essencial para que ela se mova em direção à consciência. HomoShoppiens propõe essa vivência para despertar a questão do consumismo.  Abre fendas no tempo para o entendimento. E encerra com o convite à contemplação.

As redes sociais agravaram as compulsões do “homo shoppiens”?

As redes sociais, criadas para unir, isolaram o ser humano uns dos outros. O vício da tela nos tirou o tempo e o espaço natural para a experiência humana. Como será esse ser humano, no futuro, se não dermos um basta no artificial e instantâneo?

Entre as temporadas de HomoShoppiens, desde sua estreia, em 2015, que transformações de maior relevância teve o espetáculo?

São duas realizações diferentes. Em 2015, iniciou-se a pesquisa com os estudantes da Escola Teatro Livre Abigail Wimer, somado com alguns atores da Cia Encontro em Cena. Essa primeira fase da pesquisa, resultou em um Recital de Cenas, onde criamos o nome HomoShoppiens. Pela relevância do tema, decidimos continuar a pesquisa e criar um espetáculo com o grupo profissional. Em 2021, criamos, com a Cia Encontro em Cena, o espetáculo-instalação HomoShoppiens. Na dramaturgia, além do aprofundamento da pesquisa sobre a implantação do consumismo no século XX, ampliamos o estudo para a sociedade do cansaço, de Byung-Chul Han, que traz a atualidade para o espetáculo. Na música, em parceria com Thiago Esperandio, criei as composições inéditas, onde pudemos trazer com poesia e acidez os conceitos mais difíceis da dramaturgia. A instalação surgiu do desafio de realizar esse espetáculo de maneira presencial. Foi quando convidamos Otávio Donasci para a criação da Instalação Caverna, tendo como referência seu premiado trabalho com instalações multimídia. A Instalação Caverna é fundamental para a vivência do Mito da Caverna, de Platão, que mostra as prisões contemporâneas, geradas através do desejo consumista.

Novos projetos do Espaço Leão para 2022?

Em 2022, os planos do Espaço Leão são de retomar aos poucos suas atividades presenciais, como o sarau, que antes da pandemia reunia cerca de 150 jovens a cada edição. Além disso, pretendemos ampliar a infraestrutura elétrica e de iluminação, diversificando o espaço cênico. Pretendemos também dar continuidade às apresentações de HomoShoppiens, com a Cia Encontro em Cena, assim como lançar novos curtas metragens de Atauara e continuar apoiando a arte e a cultura.

Sobre os autores da entrevista: Angelo Mendes Corrêa é doutorando em Arte e Educação pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), professor e jornalista. Itamar Santos é mestre em Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP), professor, ator e jornalista.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

TÓPICOS

Siga-nos e receba as notícias do BOM DIA