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A tributação dos “non-fungible tokens”

A evolução do mundo e da economia digital tem originado a criação de novos tipos de ativos económicos e financeiros, os quais, na última década, têm crescido de forma exponencial.

A novidade destas figuras implica desafios significativos no plano legislativo, designadamente, no que respeita à natureza jurídica, à regulamentação do respetivo mercado e, bem assim, à tributação dos rendimentos que estes ativos geram na esfera dos seus titulares.

ENQUADRAMENTO

A evolução do mundo e da economia digital tem originado a criação de novos tipos de ativos económicos e financeiros, os quais, sobretudo na última década, têm crescido de forma exponencial.

A novidade destas figuras implica desafios significativos no plano legislativo, designadamente, no que respeita à natureza jurídica, à regulamentação do respetivo mercado e, bem assim, à tributação dos rendimentos que estes ativos geram na esfera dos seus titulares.

Sendo já conhecidos os desafios jurídicos e fiscais trazidos pelas criptomoedas – e mesmo antes de se vislumbrarem, entre nós, soluções estáveis e sólidas – eis que surge os non-fungible tokens (NFTs) ou tokens não-fungíveis.

Resumidamente, os NFTs são ativos digitais, suportados por tecnologia blockchain, que representam produtos únicos, colecionáveis, tangíveis ou intangíveis, e que podem ser livremente transacionados.

A tecnologia blockchain é um tipo de base de dados que armazena a respe- tiva informação em conjuntos sequenciais – os designados “blocos”.

Enquanto uma base de dados mais “tradicional” tende a armazenar a informação nela inserida num conjunto relativamente unitário, por forma a facilitar a respetiva pesquisa e filtragem, numa blockchain a informação vai sendo automaticamente armazenada em agrupamentos de dados de capacidade limitada.

Sendo o conteúdo de uma determinada blockchain livremente consultável, este tipo de base de dados funciona como uma espécie de registo digital público, traduzindo-se, assim, numa cronologia de informação sólida e descentralizada, uma vez que, no momento em que é atingido o limite de armazenamento de cada bloco, e o mesmo é adicionado à corrente de informação, o seu conteúdo é paralisado e identificado com um selo temporal, atestando, assim, a sua origem.

A grande vantagem da tecnologia blockchain encontra-se relacionada com a fiabilidade, uma vez que permite comprovar, com um grau de segurança superior à das outras formas de armazenamento de dados, a proveniência e autenticidade de determinada informação.

Ao contrário das bitcoins e de outras criptomoedas, que são fungíveis entre si – cada bitcoin vale, num determinado momento, exatamente o mesmo que qualquer outra bitcoin e o respetivo valor é, em cada momento, facilmente convertível para moeda com curso legal – os NFTs são únicos, representando cada um deles um determinado ativo tangível ou intangível e funcionando com um certificado digital da respetiva autenticidade, possibilitando, com base em tecnologia blockchain, o rastreio da respetiva origem até ao criador ou vendedor original.

Para além de não serem fungíveis, os NFTs são também indivisíveis, ao contrário das criptomoedas, que permitem a respetiva aquisição parcelar, isto é, o investimento numa determinada percentagem de uma criptomoeda.

Cada NFT é ainda indestrutível e impos- sível de replicar ou falsificar, em virtude, uma vez mais, da segurança conferida pela tecnologia blockchain.

Os NFTs podem representar ativos de variadas naturezas resultando o seu va- lor da unicidade ou raridade desses mesmos ativos. Estes poderão ser arti- gos tão díspares como obras de arte, cartas colecionáveis, cromos desporti- vos, artigos de moda digital ou mesmo meras publicações em redes sociais, convertidas e transacionadas sob a forma de NFT.

Deste modo, podemos concluir que, no que respeita à variedade de ativos que os NFTs podem representar, as possibilidades são, até ver, ilimitadas.

Historicamente, a transação digital deste tipo de ativos implicava um certo grau de incerteza, sendo difícil compro- var a respetiva autenticidade, o que condicionava a respetiva valorização.

Contudo, através da criação dos NFTs, que funcionam, por um lado, como um registo notarial de propriedade e autenticidade e, por outro, como títulos transacionáveis, representativos deste tipo de artigos, tem-se assistido, nos últimos anos, a um grande crescimento deste mercado.

Com efeito, e de acordo com notícias da imprensa, estima-se que, no decurso de 2020, tenham sido transacionados mais de 250 milhões de dólares em NFT.

Neste contexto, e de acordo com a im- prensa, só no mês de fevereiro de 2021, estima-se que foram transacionados 150.000 NFTs, perfazendo um valor to- tal de 310 milhões de dólares, o que comprova a crescente popularidade destes ativos.

A multiplicidade de potenciais aplica- ções para esta tecnologia é evidente se olharmos, por exemplo, para o que tem surgido no mundo da música (a cantora Grimes vendeu 3.000 NFTs num leilão online que durou 48 horas por cerca de 6 milhões de dólares) e do desporto (o exemplo da NBA Top Shot).

A sua credibilidade foi fortalecida pela inovadora aposta da famosa leiloeira Christie’s em realizar o primeiro leilão de um NFT, da autoria do artista Beetle, com resultados estonteantes. Estando ainda aberto o período de licitação, a proposta atual mais elevada ronda os 2 milhões de dólares, tendo a licitação base sido fixada nos 100 dólares.

Para além de certificar a autenticidade das obras, a tecnologia que sustenta os NFTs permite também resolver um problema no mundo das artes e da criação artística: a possibilidade de inserir na programação do NFT de um royalty que reverte para o criador da obra, sempre que esta é transacionada.

OS DESAFIOS NA TRIBUTAÇÃO DESTES ATIVOS

À semelhança do já referido a propósito da tributação dos rendimentos provenientes de criptomoedas, parece-nos que também os NFTs caem num vazio legal, se atendermos sobretudo, à variedade aparentemente ilimitada de ativos que podem representar.

Com efeito, a necessária tipicidade fechada das leis fiscais, que visa impedir a tributação de situações que não sejam reconduzíveis às realidades legalmente previstas, torna-as, inevitavelmente, in- flexíveis às constantes alterações proporcionadas pelo digital.

Esta realidade da inflexibilidade das nor- mas fiscais é, na sua grande maioria, transversal aos demais ordenamentos jurídicos.

No caso do ordenamento jurídico português poderá incidir sobre várias categorias de rendimentos. No que ao IRS diz respeito, os incrementos patrimoniais são tributados no âmbito da categoria G.

Contudo, esta categoria de rendimento é uma categoria fechada, onde não ca- bem todo o tipo de incrementos
patrimoniais, mas essencialmente mais-valias mobiliárias (realizadas através da venda de valores mobiliá- rios) e imobiliárias (realizadas através da venda de bens imóveis).

Ora, tratando-se de uma categoria fechada, e não se encontrando nela previsto, especificamente, nenhum tipo de ganhos a que se possa subsumir o rendimento auferido com a detenção ou transação de NFTs, poderia, à partida, e à semelhança das cripto- moedas, dizer-se que os incrementos patrimoniais derivados da transação de NFTs não estariam sujeitos a IRS.

Por outro lado, estes rendimentos po- deriam ser considerados rendimentos de capitais (categoria E), rendimentos empresariais e profissionais (categoria B) ou até direitos de autor/royalties (categoria E ou B, dependendo se se trata do titular originário desses direi- tos ou não).

Com efeito, e atendendo à letra da lei, poderá ser sustentável que os rendimentos derivados do investimento em NFTs representem um ganho do investimento de capital e sejam tributados no âmbito da categoria E.

Por outro lado, a atividade de investimento em NFTs poderá vir a ser realizada de forma profissional, o que implicaria uma análise concertada de toda a situação pessoal e fiscal do investidor e poderia culminar na sujeição dos respetivos ganhos a tributação no âmbito da categoria B (o que em nossa opinião, é difícil de verificar-se em concreto).

Se atendermos, ainda, a estes rendimentos como derivados da propriedade intelectual e os qualifiquemos como direitos de autor ou royalties, poderão, nesse caso, ser tributáveis na categoria E ou B, consoante o contribuinte seja o seu titular originário do direito subjacente ou não.

Neste sentido, veja-se o caso curioso do ator norte-americano William Shatner, conhecido pela saga Star Trek, que emitiu, recentemente, sob a forma de NFTs, um número limitado de colecionáveis digitais que, por conterem a sua imagem, têm implicado, para o ator, o recebimento de royalties por cada transação subsequente à aquisição original.

No que ao IRC diz respeito, atendendo a que as empresas são tributadas, em Portugal, sobre o respetivo lucro, eventuais ganhos realizados por empresas com a transação de NFT, uma vez registados na respetiva contabilidade, poderão concorrer para a formação do lucro tributável.

A POSSÍVEL INTERPRETAÇÃO DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA

Até à presente data, a Administração tributária não se pronunciou sobre esta nova realidade digital.

Não obstante, e atendendo à existência de algumas semelhanças entre os NFTs e as criptomoedas, tendo em vista com- preender um eventual enquadramento da Administração tributária, podemos recordar o seu entendimento relativamente às criptomoedas.

Ora, segundo uma primeira informação vinculativa (apenas para o contribuinte que a solicitou, não para todos os con- tribuintes) proferida pela Administração tributária: os ganhos ob- tidos com a compra e venda de criptomoedas não são tributados em Portugal se não forem auferidos no âm- bito uma atividade profissional ou empresarial do contribuinte.

Assim, a Administração tributária apa- rentou excluir, à partida, a possibilidade de o rendimento decorrente da venda de criptomoedas ser tributável em sede de IRS, designadamente, no âmbito da categoria E (rendimentos de capitais) – categoria na qual estes rendimentos, de acordo com interpretação letra da lei, cabem – independente do valor dos ganhos apurados.

Contudo, a Administração tributária já terá ponderado a possibilidade de estes rendimentos se subsumirem a uma dis- tribuição de lucros, na proporção da respetiva participação no investimento.

No entanto, esta informação não foi divulgada pela Administração tributária de forma generalizada, o que não per- mite concluir que se trate de um qualquer tipo de entendimento uniformizador.

Porém, sem prejuízo destes entendi- mentos poderem, numa primeira fase, ser utilizados como ponto de partida, para a formulação de uma interpretação por parte da Administração tributária, parece-nos que as diferenças entre ambos os ativos deverão ser tidas em consideração, podendo conduzir a enquadramento tributário distinto.

Conforme referido, as criptomoedas e os NFTs são diferentes: enquanto as primeiras correspondem a ativos fungíveis, à semelhança da moeda convencional, de tal forma que a própria jurisprudência lhes atribui a função de meio de pagamento, os NFTs não são fungíveis, nem tão-pouco têm um valor constante entre si, podendo, conforme vimos, representar ativos de naturezas e valores bastantes diferentes.

CONCLUSÕES

Não existindo em Portugal, ainda, qualquer regulamentação específica sobre as criptomoedas – as quais, enquanto ativos financeiros, se encontram já muito mais generalizados entre os investidores por comparação aos NFTs – o mesmo sucede quanto aos NFTs, porquanto representam um fenómeno ainda mais recente.

Assim, e numa perspetiva puramente transacional, sem nos debruçarmos sobre a emissão ou criação de NFTs, ou sobre as situações em que, por se encontrar associado a uma determinada propriedade intelectual, um NFT possa vir a suscitar o pagamento de royalties, não é expectável que a Administração tributária promova, num futuro imediato, a tributação dos ganhos derivados do investimento em NFTs por parte de contribuintes.

Aliás, à semelhança do que aconteceu com as criptomoedas, que continuam, na prática, e na perspetiva do investidor individual, não sujeitas a tributação.

Neste contexto, e antecipando-se um crescente investimento neste tipo de ativos, parece-nos que deverá ser pon- derada, num futuro próximo, a criação de regulamentação específica e de um regime fiscal que possa acomodar estas novas realidades digitais e que confira alguma estabilidade – do ponto de vista das obrigações fiscais – aos investidores.

Rogério M. Fernandes Ferreira

Marta Machado de Almeida

Filipa Gomes Teixeira

Rita Arcanjo Medalho

Soraia João Silva

José Oliveira Marcelino

Inês Tomé Carvalho
(Tax Advisory team)

www.rffadvogados.pt

 

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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