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A Liberdade Religiosa e a liberdade do religioso – a dádiva

Nos textos constitucionais mais avançados, sustentados por ideias de Liberdades e Garantias, a Liberdade Religiosa tem várias implicações e materializações, como a liberdade associativa, a liberdade de se expressar a fé, a liberdade de culto, e de o fazer, seja em privado, seja em público, e até a mais indefinível liberdade de consciência.

Mas, por mais que os textos constitucionais sejam peças fundamentais e, até, fundantes, o universo da plena Liberdade Religiosa não reside nos textos legais, mas forma como ela é vivida e representada, percecionada.

A par da afirmação de Liberdade Religiosa, e plenamente interligadas e interdependentes, a secularização da sociedade afastou higienicamente o proselitismo do espaço público, como se fosse um processo do qual as religiões mais consideradas social e politicamente se abstivessem, criando-se como que uma paz de fronteiras de conversão. No limite, a ideia instalada pelo senso comum afirma que só as “seitas”, naturalmente perigosas porque não integradas no status quo, se comprazem em entrar no campo alheio roubando ovelhas até então tão bem enquadradas.

Mas esta ideia é, obviamente, não apenas errada como anularia a natureza de todas as religiões que se concebem como universalistas. Se a obrigação é levar a sua mensagem, uma Boa Nova, a todos os humanos, como anular o pendor proselitista? Se a sua mensagem é, simplesmente, a salvação, como negar transmiti-la?

Mas mais. Não é apenas a dimensão doutrinal que é maquilhada nesse objectivo de anular a vontade em converter. É também o desejo de dádiva individual que é posto em causa quando se espera que não se faça proselitismo. Se eu tenho, no meu entender, a chave para a salvação, para a eternidade, como conceber que, benevolamente, a não tente transmitir aos outros?

Recordo uma mesa ímpar, um debate sobre liberdade religiosa que moderei há algum tempo na mesquita de uma das comunidades islâmicas da Amadora, com a presença de duas das mulheres a quem mais devemos em questões de cidadania, a então Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, Catarina Marcelino, e a Presidente da Câmara Municipal da Amadora, Carla Tavares. A meu lado, Joaquim Moreira, representante d’A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, mais conhecidos como Mórmones, e Paulo Macedo, em nome da Igreja Adventista do Sétimo Dia.

Não sei qual dos meus companheiros de mesa conheço há mais tempo, nem por qual nutro maior amizade e profundo respeito pelo que fazem pelo diálogo e cidadania. Tenho a plena liberdade para com eles ter criado uma situação em resposta a uma questão colocada por alguém do público.

E essa questão entrava no complexo campo do proselitismo, da relação que cada um de nós tem com o acto de nos tentarem converter. Na minha resposta brinquei com esses dois líderes religiosos: “Sei que, quer o Joaquim Moreira, quer o Paulo Macedo, gostariam de me converter; e sei que o gostariam de fazer porque me querem dar o que de melhor me podem oferecer. E eu, humanamente, tenho de ficar agradecido e reconhecido por isso, por alguém me querer dar “apenas” o mais importante, a salvação. Se feita nos limites da não-imposição, a tentativa de conversão é a maior dádiva que um religioso pode dar a qualquer outra pessoa”.

A liberdade religiosa, para ser plena, adulta e madura, tem de saber conviver com esta constatação do que é a natureza da conversão e do proselitismo. Só quando eu não ficar ofendido por me tentarem converter é que tenho socialmente uma plena liberdade religiosa.

Obviamente, tal como o religioso, qualquer ele que seja, tem liberdade para me tentar converter, pondo-me à frente um quadro que para ele é a perfeição, também qualquer pessoa tem a liberdade para dizer “não” e essa recusa ser respeitada sem recurso a qualquer forma de pressão.

Será apenas neste quadro que a Liberdade Religiosa estará adurida e instalada nas nossas mentes. Quando eu não achar é abusivo tentarem-me converter.

 

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