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A França em choque (?)

A França acorda hoje de mais um choque. É essa a palavra utilizada por jornais tão distantes um do outro como o “Le Figaro” e o “L’Humanité”: “Le Choc”. E não, não foi um qualquer ataque terrorista. Não foi tão pouco nada que não se pudesse prever. O que se passou foi tão só a chegada da Frente Nacional do clã Le Pen em primeiro lugar na primeira volta das eleições regionais francesas.

Tão só!? Sim. Tão só. Não porque seja coisa de somenos mas porque não se trata de facto de uma novidade. A subida da Frente Nacional (FN) tem sido uma constante nestes últimos anos.

Mas porque sobe tanto, então, essa tão odiada FN?

Em primeiro lugar o sistema eleitoral francês, baseado na prática do “winner takes it all” levou durante anos a uma sub-representação da FN na Assembleia Nacional Francesa. Esta sub-representação levou, como é natural a uma revolta por parte daqueles que ainda não sendo verdadeiros apoiantes da FN viam nas suas ideias alguma razoabilidade (por estranho que o conceito em si possa parecer). Essa revolta traduziu-se, em parte, em novos votos para a FN de Marine Le Pen.

Tomemos o exemplo da última eleição legislativa, no ano de 2012, em que apesar de na primeira volta a FN ter obtido o terceiro melhor resultado com 13,5% dos votos expressos, só conseguiu, ao fim da segunda volta, eleger 2 deputados. Como contraponto podemos dar o exemplo da Frente de Esquerda que com 7% dos votos na primeira volta acabou por eleger 10 deputados. Não poderei nunca fazer uma defesa da FN e dos seus valores, mas a democracia é isso mesmo: os votos corresponderem a uma representatividade.

Depois, os partidos ditos tradicionais que têm governado a França não têm correspondido às aspirações do seu eleitorado. A segunda metade do século XX tem, na Europa, o cunho do Estado Social. Depois da brutalidade da Guerra os Estados foram conduzidos na óptica da solidariedade social tão necessária à reconstrução.

A partir dos anos 80, com as eleições de Margaret Thatcher e Ronald Reagen, a bússola política dos governos europeus passou, lentamente e um após outro, a orientar-se para uma economia puramente de mercado com a uma feroz tendência para privatizar o Estado Social. Esta privatização de uma grande parte dos serviços sociais do estado e a submissão ao dictat da eficiência financeira do restante deixou, gradualmente, de fora um número crescente de pessoas: o Estado Social deixava de ser de facto social para ser sectorial – não podemos aqui escamotear a culpa de algum movimento sindical mais corporativista que verdadeiramente de “defesa de classe”.

Recentemente temos visto os partidos de tradição Democrata-Cristã da europa (leia-se Social Democratas em “português”) a enveredar sem desvios na direcção do neoliberalismo. A engenharia social, conduzida por estes partidos outrora da direita moderada, que visa transformar o mero trabalhador em homo economicus é sem precedentes na história da humanidade.

Perante este avanço na direcção neoliberal outra solução não restou aos partidos Socialistas europeus, vazios de outro sentido fundamental que não o combate à esquerda de massas (nota: ler a esse sujeito sobre a origem dos termos bolchevique e menchevique), outra solução que não a de “apanhar o comboio” para não se verem deixados para trás. Esta deserção da esquerda moderada face aos valores de esquerda não foi sem consequências, como pudemos atestar aqui há uns anos na cisão do PS francês.

Mas em suma, todo este avanço deixou o tradicional centro órfão de partidos. O grosso dos votantes dos partidos do centro seguiu, ainda assim, de forma meramente clubística o seu “parti du coeur”. Os restantes eleitores têm essencialmente encostado aos partidos da direita dura (para não falar em extremos).

Aqui importa ver porque é que esta divisão de “órfãos” não é feita de igual forma entre a esquerda e a direita. Desde a construção do Muro de Berlim, estando morto e enterrado o Fascismo, que a campanha ideológica do “centrão” tem sido contra o comunismo. A equiparação entre as duas ideologias, a reescritura da história ignorando que o esforço soviético na derrota do nazismo foi imensamente maior (basta ver o número de mortos e a quantidade forças utilizadas pelos Alemães em ambas as frentes da Grande Guerra), o branqueamento das guerras conduzidas pelos países “livres”, ignorar o papel dos movimentos comunistas na independência das colónias que a europa “detinha” um pouco por todo o mundo, enfim, uma miríade de reescrituras.

Mas no fim, e na dúvida, será sempre melhor ir para a direita porque os fascistas estão mortos e enterrados do que ir para a esquerda que só nos quer encerrar a todos nos Gulags – a este sujeito alerto para o que fazem neste momento os “esquerdistas” Húngaros aos refugiados Sírios.

O resultado da Frente Nacional na primeira volta das eleições regionais de 2015 não é um mero produto do acaso nem o resultado dos ataques de Paris aqui há dias. É a consequência de um sistema que de democrático (do povo e para o povo, como indica a raiz da palavra) tem cada vez menos. Quando os tempos se tornam duros as pessoas endurecem. E estão a endurecer numa europa que tem já, no global, perto de 20% de votos em partidos de, sem rodeios, extrema-direita. Uma europa onde, como no leste da Eslováquia, em que o presidente de um dos governos regionais se recusa a celebrar o dia da derrota do Nazismo a pretexto de que foi esta derrota foi um retrocesso histórico.

Tendes a Europa, e como tal a França, que quereis.

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