A páginas tantas da sua já longa obra musical Jorge Palma fala-nos de Jeremias o Fora-da-Lei e da sua paixão da eloquência da dinamite.
Svetlana Alexievitch é a vencedora do Prémio Nobel de Literatura 2015 e aqueles que tiveram o privilégio de ouvir as palavras que nos trouxe na passada sexta-feira terão que concordar que são duma eloquência digna da dinamite. Já quando ouvimos as entrevistas que ficaram gravadas no nosso Saramago sentimos a subtileza da explosão nas suas palavras.
A Prémio Nobel do ano passado deslocou-se ao Luxemburgo no âmbito da 6ª edição do Luxembourg Film Festival que decorre entre 25 de Fevereiro e 6 de Março de 2016. A sua presença deveu-se à pré-estreia no Luxemburgo do documentário La Supplication. Este documentário realizado pelo luxemburguês Pol Cruchten é baseado no livro com o título homónimo (na tradução para Francês) da laureada Bielorrussa.
Como o justifica a academia sueca, o Prémio é atribuído a Svetlana Alexievitch «pela sua escrita polifónica, um monumento ao sofrimento e coragem nos nossos dias». Jornalista de profissão, esta polifonia vocal de que fala o júri Nobel mais não é que a utilização das vozes daqueles que encontra como ingrediente do seu trabalho literário.
Na sessão literária em que apresentou o seu trabalho Svetlana referiu o seu método: “visito as pessoas várias, sento-me com elas… bebo chá… comemos bolos… e ao fim de passarmos 7, 8 horas ou mesmo mais juntos as conversas começam a tornar-se mais profundas. Falam-me já não da história mas dos seus sentimentos”.
Na apresentação do seu livro “O Fim do Homem Soviético, ou o Tempo do Desencantamento” os seus editores já nos indicam este seu método de trabalho: “Armada dum gravador e duma caneta, Svetlana Alexievitch, com uma acuidade, uma atenção e uma fidelidade únicas, obstina-se a guardar viva a memória dessa grande tragédia que foi a URSS, a contar a pequena história de uma grande utopia.”
E que pequenas histórias são essas? Svetlana conta-nos que par ao seu livro “Os Caixões de Zinco” visitou o Afeganistão aquando da invasão Soviética. Que a marcou profundamente o orgulho e determinação com que os soldados usavam o uniforme – “para os homens [a guerra] é só um jogo… mas quando ouvimos as mulheres e crianças é totalmente diferente”. Pouco a pouco Svetlana constrói um retracto sentimental e emocional daquela que considera ter sido a maior experiência de engenharia social da história da humanidade. No “Fim do Homem Soviético” o seu trabalho de guardadora de memória acompanha o choque que foi o fim da União Soviética – o colapso de um sistema que estava em todo o lado no dia-a-dia do Homus Sovieticus, em que de repente toda uma sociedade se encontrou num novo mundo sem qualquer rede de segurança.
Mas Svetlana, optimista com o fim do regime dos Sovietes, olha agora os antigos países soviéticos com descrença e desilusão. Vindos da sociedade feudal do século XIX para um regime fechado que durou quase todo o século XX o Homus Sovieticus não sabe o que é a liberdade. Mais, não se interessa por ela. Segundo nos disse na última sexta feira “agora, ninguém está interessado na verdade…”. Quando interrogada se os cidadãos da antiga URSS não tinham as mesmas ambições que o mundo ocidental Alexievitch escudou-se a dar uma resposta concreta. Responde antes, com a subtileza duma Nobel barra de dinamite, que o sonho agora é comprar um carro melhor, comprar calças de ganga, ter bem materiais…
Assistimos, lá como cá, ao resultado daquilo que Michel Clouscard identificou em 1981 no seu livro intitulado Le Capitalisme de la Séduction…
Talvez esse seja uma característica dos prémios Nobel, especialmente os da Literatura: falar-nos com uma simplicidade de palavra, como se dela fossem donos absolutos, e no entanto ter o poder de provocar explosões dentro das nossas ideias.
Talvez seja mesmo condição sine qua non para a atribuição de tão alta distinção, não fosse Alfred Nobel o inventor da dinamite, essa cuja eloquência Jeremias tanto admirava.