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Viagens alucinantes e sem nexo

Após alguns sobressaltos, tínhamos chegado finalmente ao nosso destino final, que no fim de contas, não era um posto de turismo, mas uma agência de viagens. Malgrado estes percalços, decidimos entrar e perguntar por um bilhete de comboio para Varanasi.

Após alguma pesquisa, disseram-nos que estava tudo cheio e que seria impossível realizar esta viagem durante algumas semanas. Com muito poucos quilómetros de mochila às costas, a verdade é que nos davam a volta com alguma facilidade e mais uma vez tornaram a referir que nos iriam roubar nas ruas. As palavras roubo e assalto não me agradavam nada. Não era nada reconfortante a cada momento ouvir o mesmo.

Ingénuos ou não, na altura acabámos por comprar uma excursão na tal agência. Durante quatro dias teríamos um taxista, com quem iríamos visitar o famoso triângulo dourado.

O preço era bastante razoável, já que incluía tudo, desde o alojamento, transportes, pequeno-almoço e todas as entradas nos templos e fortes.

Mal pagámos a excursão, o taxista acompanhou-nos para nos mostrar a capital. Chamava-se Gishô e parecia ser uma pessoa bastante simpática.

Durante uma tarde inteira deambulámos entre museus e alguns fortes.

Para se visitar alguns lugares sagrados, tínhamos de nos descalçar à entrada. Em alguns templos era proibido tirar fotografias.

Certos palácios eram bastante impressionantes. A sua arquitetura com detalhes tão minuciosos contrastava com as muitas cores. Mas não só os palácios abrangiam um leque de cores vivas e fortes. O sari, típico vestido indiano das mulheres, esvoaçava em cada esquina como um arco-íris em constante movimento. De volta à pousada, era hora de descansar e acalmar um pouco os ânimos. Havia uma dualidade estranha de emoções. Gosto e não gosto. Adoro e não adoro. Amo e odeio.

Por um lado, tínhamos palácios fantásticos, por outro, uma pobreza extrema. Mas tudo isto já se tinha convertido no menos relevante.

DSC03891O que não me estava a agradar mesmo, eram os nativos. Para além de não serem muito simpáticos, por vezes eram um pouco brutos a falar.

Em todos os lugares turísticos, alguns autóctones insistiam em ser nossos guias. Como não estávamos interessados em gastar mais dinheiro, por vezes exaltavam-se connosco e berravam.

Talvez todo este desagrado kafkiano fosse apenas na capital e por isso nada melhor que descansar e colocar uma pedra neste dia tão malfadado. No dia seguinte, o taxista veio ao nosso encontro. Falava pelos cotovelos e já nem nos lembrávamos do dia anterior. Segundo o motorista, as três leis dos condutores na Índia são: em primeiro lugar, um bom travão; em segundo, uma boa buzina; e a terceira, e talvez a mais importante, boa sorte.

Bastou apenas uns míseros quilómetros de viagem, para percebermos a última lei, da boa sorte. Mas alguma vez eu disse que as estradas no Vietname ou na Indonésia eram uma desorganização total ou um caos?

Se disse, peço desculpa a todos os leitores. Talvez me tenha precipitado, porque após esta viagem, considero o trânsito no Sudeste Asiático como uma autêntica pasmaceira ou tédio. Um simples embrião comparado com o verdadeiro apogeu de todos os caos. Estávamos em plena autoestrada e seguíamos a passo de caracol. No Camboja ou na Tailândia, os tuk-tuks muitas das vezes exageravam, levando cinco ou seis passageiros atrás. Diante de nós tínhamos o mesmo número, mas multiplicado por dois. Era simplesmente surreal. Grande parte da viagem tornou-se numa aula de matemática, onde não parava de fazer contas. Dez passageiros, doze passageiros, quinze passageiros. Os autocarros também não ficavam nada atrás. Abarrotados de gente, ainda levavam dezenas de passageiros sentados no topo do autocarro.
Eu nem queria imaginar, se alguma vez aquele autocarro tivesse de fazer uma travagem brusca.
Parecia uma competição para entrar no livro dos recordes do Guinness. Quem conseguiria levar mais passageiros no menor espaço possível?

Certa altura, passou um jeep com quatro passageiros à frente. Essa incongruência já se tinha tornado normal aos meus olhos.

Dez passageiros na parte de trás, e até eu já achava aquilo banal.

Mas o verdadeiro culminar de loucura extrema, ou seja, a cereja no topo do bolo, eram mais quatro passageiros, pendurados na parte de fora em pleno andamento. Um mundo louco e estulto, onde o denominador comum entre todos os transportes era a excessiva carga, com algum perigo à mistura.
Autoestradas ou não, quem tomava verdadeiramente conta do trânsito eram as muitas vacas que marcavam posição.

De faixa em faixa, serpenteávamos as inúmeras vacas ao longo do caminho, que deambulavam pelas estradas ou simplesmente descansavam.

Como se já não bastasse, por vezes alguns carros vinham em contramão. Tudo era louco e sem qualquer nexo. Certa altura, assistimos a um episódio completamente desvairado.

Havia um polícia a controlar o trânsito que mandou parar um camionista, o qual simplesmente não obedeceu. Então colocou-se à frente do camião com um bastão enorme para que o fulano parasse. Como todos nós sabemos, a polícia é uma autoridade à qual temos de obedecer, mas este camionista fez o oposto. Não ligou nenhuma e ainda acelerou, quase atropelando a autoridade, que teve de dar um salto para o lado. Furioso, o polícia dirigiu-se à janela e começou a bater com o bastão no condutor. Como resposta, o camionista tirou um objeto comprido e começou a bater também no polícia.

Parecia um autêntico filme.

Encontrar uma descrição, com as palavras certas para a nossa viagem, é como encontrar a saída num labirinto sem qualquer tipo de portas.

Naquele preciso momento, seria mais fácil fazer como Ícaro. Construir asas artificiais a partir de penas de gaivota e cera do mel das abelhas e voar daquele labirinto para longe. A certa altura, ainda soltei umas gargalhadas.

Em plena autoestrada, alguns nativos dançavam e cantavam. Parámos para tirar fotografias e imediatamente alguns autóctones atravessaram a estrada para nos pedir dinheiro.

Apesar de não ter qualquer tipo de lógica para nós, ocidentais, todo aquele aparato, naquele preciso momento comecei a imaginar que se assim fosse em Portugal, as viagens até seriam bem mais divertidas.

Parar o carro em plena A1, só para dançar o vira do Minho ou cantar uma desgarrada ao som das concertinas.

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