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Transparência e planeamento fiscal: obrigações sobre os intermediários e próximos passos

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (“OCDE”), com o apoio do G20, publicou, a 13 de Fevereiro de 2014, a Norma Comum de Comunicação (“CRS”, “Common Reporting Standard ”), instrumento relativo à implementação de um modelo global de obtenção e troca automática de informação financeira.

Com vista a promover a adopção do CRS no seio da União Europeia (“UE”), foi publicada a Directiva 2014/107/UE do Conselho, de 9 de Dezembro de 2014, relativa à Cooperação Administrativa (“DAC 2”), revista já diversas vezes, tendo em vista o adensamento das regras e do espectro da troca de informações e transparência fiscal.

Neste contexto, o Decreto-Lei n.º 64/2016, de 11 de Outubro, transpôs para a ordem jurídica nacional as regras relativas ao CRS, introduzindo, por um lado, a obrigatoriedade de cumprimento de normas de comunicação e de diligência devida relativa a informações financeiras e, por outro lado, mecanismos de troca automática e recíproca das referidas informações financeiras, designadamente para efeitos fiscais, sendo as questões práticas subjacentes reguladas pelas Portarias n.º 302-A/2016, 302-B/2016, 302-C/2016, 302-E/2016, todas de 2 de Dezembro e, bem assim, pela Portaria n.º 302-D/2016, de 2 de Dezembro, alterada pelas Portarias n.º 255/2017, de 14 de Agosto, e n.º  58/2018, de 27 de Fevereiro.

Modelo da OCDE de Regras de Divulgação Obrigatória para Esquemas que Evitam o CRS e Estruturas Offshore Opacas

Nesta senda, e na sequência do previsto na Secção IX dos Comentários do CRS, relativa à implementação efectiva do CRS, a OCDE publicou, a 9 de Março de 2018, um Modelo de Regras de Divulgação Obrigatória para Esquemas que Evitam o CRS e Estruturas Offshore Opacas (“Model Mandatory Disclosure Rules for CRS Avoidance Arrangements and Opaque Offshore Structures”).

O propósito destas novas directrizes, cuja adopção pelas jurisdições participantes no CRS não é obrigatória e que terão de ser incorporadas no direito nacional para adquirirem um carácter vinculativo, é o de atribuir às Administrações tributárias informação sobre esquemas (“arrangements ”) que pretendem, ou é razoável concluir que pretendem, contornar ou frustrar as regras de comunicação obrigatória do próprio CRS de forma deliberada e, bem assim, sobre estruturas opacas que escondem os beneficiários efectivos de activos detidos, directa ou indirectamente, em estruturas offshore.

A informação a ser divulgada às Administrações tributárias inclui a identificação dos sujeitos passivos que usem tais estruturas e daqueles, também, que estão envolvidos na respectiva concepção e implementação. A obrigação de informação recai sobre os “intermediários”, entendendo-se como tal qualquer pessoa que conceba e promova esquemas que visem contornar o sistema de normas relativo ao CRS e, também, prestadores de serviços que cumpram o padrão de “reasonably expected to know ”, o que, segundo nos parece, incluirá instituições de crédito, gestores de património, técnicos e revisores oficiais de conta e advogados, entre outros.

O Modelo de Regras de Divulgação Obrigatória para Esquemas que Evitam o CRS e Estruturas Offshore Opacas é acompanhado, ainda, do respectivo Comentário ao Modelo, que contém relevantes esclarecimentos em relação ao texto das regras-modelo e que poderá ter também um valor interpretativo.

A informação transmitida no quadro deste Modelo oferecerá às Administrações tributárias informação adicional para fazer face às suas actividades de controlo do cumprimento das obrigações fiscais e de compliance no âmbito do CRS, assim como para delinear a sua política fiscal futura. Também se espera que as regras venham a ter um efeito dissuasor da construção, promoção e uso destes esquemas e reforcem a integridade geral do CRS.

DAC 6: Transparência fiscal através dos intermediários

Contemporaneamente a esta publicação por parte da OCDE, a Comissão Europeia emitiu, no passado dia 13 de Março, um comunicado relativo ao acordo politico a que os Estados-Membros (“EM”) chegaram, no âmbito de uma reunião do ECOFIN, relativamente à proposta para uma nova Directiva (conhecida por “DAC 6”), a qual virá alterar a Directiva 2011/16/EU sobre cooperação administrativa na área da tributação, cujos principais objectivos são a transparência fiscal e a luta contra o planeamento fiscal abusivo.
Esta Directiva deriva do trabalho desenvolvido pelo G20/OCDE no âmbito do projecto Base Erosion and Profit Shifting (“BEPS”), designadamente Acção 12, relativa a regras de comunicações obrigatórias e consubstancia a adopção, no quadro da União Europeia, da denominada promoter-based approach, na medida em que só excepcionalmente é que o próprio beneficiário está obrigado a efectuar comunicações neste domínio.

Tendo por base a experiência de vários países, tal como os Estados Unidos, a Irlanda, o Reino Unido e, também, Portugal (que neste aspecto esteve na vanguarda internacional) a referida Acção 12 analisou a possibilidade de adopção de um sistema de “hallmarks” (entendido como aspectos ou traços marcadamente distintivos) de planeamento fiscal abusivo. Os textos finais das Directivas, em cada uma das línguas, encontram-se, ainda a ser trabalhado.

Um esquema será tido como “agressivo” quando preencha, pelo menos, um dos indícios (“hallmarks”) listados na DAC 6. Com efeito, existem indícios de carácter genérico, como seja o facto de intermediário ter direito a um fee variável associado à poupança fiscal obtida através do esquema, e de carácter específico, como por exemplo, o facto de o esquema ter o efeito de converter um rendimento noutro que seja tributado de forma mais favorável. Entre a lista de esquemas abrangidos encontra-se, ainda, designadamente, a concessão de aconselhamento fiscal standard e sem necessidade de personalização; a promoção de esquemas com cláusulas de confidencialidade; a utilização de paraísos fiscais ou jurisdições inscritas na lista de paraísos fiscais da União Europeia; a utilização de empresas cuja sede fiscal se situa em país ou jurisdição sem acordo de troca de informações; ou a transformação da classificação do rendimento e, bem assim, a transferência contas bancárias e financeiras no sentido de evitar a troca automática de informações.
A referida DAC 6 exigirá que os intermediários – entre os quais se encontram consultores fiscais, contabilistas, bancos e advogados – que concebam esquemas transfronteiriços de planeamento fiscal potencialmente agressivo serão obrigados a divulgá-los às respectivas autoridades nacionais. Por seu turno, os EM, designadamente as suas Administrações tributárias, deverão trocar esta informação entre si, por forma a aumentar o escrutínio sobre as actividades de planeamento fiscal concebidas ou implementadas por intermediários.

A obrigação de reporte passa a recair sobre os próprios contribuintes caso os intermediários não possam divulgar a informação devido a sigilo profissional ou no caso de o esquema ter sido desenhado por consultores ou advogados in-house, isto é, consultores ou advogados “da empresa”.

Assim, o encargo do reporte de esquemas transfronteiriços de planeamento fiscal recairá, primordialmente, sobre o intermediário, isto é, sobre quem concebe, promove, organiza, disponibiliza ou gere a implementação dos referidos esquemas.

A DAC 6 prevê ainda que a informação reportada, e automaticamente trocada, será recolhida e mantida numa base de dados central gerida pela Comissão Europeia, mecanismo que tem vindo, já, a ser alinhavado no âmbito da recolha e troca de informações, de outros âmbitos, para fins fiscais.
Assim que a DAC 6 for adoptada, os EM terão até 31 de Julho de 2019 para a transpor. A informação deverá começar a ser reportada pelos intermediários às autoridades nacionais a partir de 1 de Julho de 2020, sendo que os EM se encontrarão obrigados a trocá-la, entre si, a cada três meses, pelo que a primeira troca estará, portanto, completa a 31 de Outubro de 2020.

Do Decreto-lei relativo ao Planeamento Fiscal: próximos passos legislativos

O Decreto-Lei n.º 29/2008, de 25 de Fevereiro, veio estabelecer deveres de comunicação, informação e esclarecimento à Administração tributária, com o intuito de prevenir e combater o planeamento fiscal abusivo.

O regime em vigor em Portugal visa as situações que:
impliquem a participação de entidade sujeita a um regime fiscal privilegiado;
impliquem a participação de entidade total ou parcialmente isenta;
envolvam operações financeiras ou sobre seguros que sejam susceptíveis de determinar a requalificação do rendimento ou a alteração do beneficiário; ou que
impliquem a utilização de prejuízos fiscais.

Em face deste mais reduzido âmbito objectivo vis-à-vis a DAC 6, será expectável que o Decreto-Lei n.º 29/2008 seja alterado ou mesmo integralmente substituído tendo em vista o necessário alinhamento e transposição da DAC 6 até 31 de Julho de 2019.

Já no que se refere à eventual mimetização do Modelo de Regras propostas pela OCDE, relativas a esquemas que visem contornar o CRS. Nesta fase, não é, ainda, claro, o comprometimento internacional com este Modelo de Regras, sendo que a adesão às mesmas, por parte dos cerca de 100 Estados e jurisdições participantes na framework internacional é fundamental para obstar à existência e ao recurso a tais esquemas.

Dado que o Modelo de Regras não é vinculativo, será necessário aguardar eventuais desenvolvimentos, que são, contudo, expectáveis em face da recente tendência internacional para latos consensos políticos no que respeita à transparência e troca de informações para efeitos fiscais, quer estes consensos sejam alcançados por genuíno acordo, por peer pressure ou pelo espectro de sanções internacionais, tal como sucede com a lista de “paraísos fiscais” da União Europeia.

Rogério M. Fernandes Ferreira
Jorge S. Lopes de Sousa
Filipa Gomes Teixeira

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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