Tenho 94 anos. E não sei música. Sei a dos ouvidos. Aquela que entoa e permanece . Que nos leva ao cantarolar do refrão como vício eterno no dia. Sei a música da terra revolvida, dos pássaros em jejum, das papoilas rompendo veios, dos riachos e das nuvens.
Sei a música que meus filhos lembravam ao cair da noite quando se acolhiam no meu regaço, pasto dos seus cansaços. Aquela que dormitava na minha cama quando havia o degelo dos sentidos ou a música crepitante das lareiras e dos fumeiros. A música da igreja e dos bailaricos e a música dos animais caminhando para as pastagens.
Afinal, se calhar, até sei música. A da terra e a da vida. A dos homens talvez não. Colocam-me uma guitarra no colo e pasmo de poesia.