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Tatiana Zalla e Leandro Pfeifer: o universo fascinante de nossas raízes musicais

Fundadores da Cia Duberrô, que mais tarde foi rebatizada como Grupo Manuí, Tatiana Zalla e Leandro Pfeifer formaram-se pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Ele em música, ela em artes cênicas. A paixão por nossa cultura popular levou-os a mergulhar no rico universo das músicas indígena e africana, resultando na gravação dos discos Ecos da Paulistânia e Nhemonguatá. Suas apresentações pelo país somam um público que ultrapassa 200 mil pessoas, levando sempre o que há de melhor em nossas tradições e ancestralidade musical. Às vésperas de estrearem seu primeiro espetáculo teatral, Nhanderuvuçu – o Menino Trovão, contam, nesta entrevista, um pouco do percurso que percorreram ao longo dos 16 anos de existência do grupo.

Gostaríamos de saber um pouco sobre a trajetória de ambos no universo da música e do teatro?

Tatiana: minha trajetória no teatro se inicia em 1996, em um curso com o ator e diretor Ewerton de Castro, que escreveu e dirigiu um espetáculo para os alunos. Pra mim, foi um marco, porque sempre fiz teatro, mas, a partir daquela peça, não tive mais dúvida de que seguiria pelos palcos. Cursei artes cênicas, na Universidade Estadual de Londrina. Depois disso, segui para São Paulo e trabalhei no Teatro Fábrica e na Cia de Artes e Ofícios. E foi em São Paulo que nasceu a Cia Duberrô, hoje Grupo Manuí.
Leandro: iniciei os estudos musicais em aulas particulares e no Conservatório de Tatuí. Profissionalmente, comecei em Limeira, no interior de S.Paulo, aos 18 anos, quando tive a oportunidade de dividir o palco com Elba Ramalho. A partir de 2000, iniciei o curso de música na Universidade Estadual de Londrina e aprofundei os estudos sobre cultura popular brasileira, idealizando e participando de projetos culturais focados nas culturas indígenas do Brasil e no Bumba Meu Boi maranhense. Em 2005, na capital paulista, idealizei e participei, como compositor, vocalista, instrumentista e produtor de projetos musicais de circulação, assim como da gravação de um cd com o grupo Encantoria. Logo em seguida, me envolvi em projetos de música e narração de histórias com o grupo Manuí, destacando-se a gravação dos cds Ecos da Paulistânia e Nhemonguatá. Após receber várias aprovações pelo edital ProAC e prêmios de música autoral em alguns festivais, circulei, com o Manuí, por várias unidades do SESC. Em 2016, defendi a dissertação de mestrado intitulada Ecos da Paulistânia, na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.

De quem foi a ideia de formar a Cia Duberrô, que anos depois se transformaria no Grupo Manuí?

Tatiana: Não foi uma idéia e sim uma necessidade. Na época, eu trabalhava como produtora cultural no CEU (Centro Educacional Unificado) e precisava continuar meu trabalho artístico. O grupo foi uma maneira de dar continuidade às pesquisas e práticas com história e música.

Qual a origem do nome Manuí e por que sua escolha?

Manuí é uma adaptação da paravra mainu e quer dizer beija-flor, em tupi-guarani. Segundo a tradição, esse pássaro faz a ponte entre os mundos visível e invisível, o que nos parece muito apropriado para a arte de contar e cantar histórias. Qualquer história? Não. Aquelas que nos encantam, que nos tocam, que nos narram. O grupo foi rebatizado, em 2012, para a comemoração de seus dez anos. Em algumas tradições, quando acontece algo muito importante na vida de uma pessoa, ela recebe outro nome. E foi assim que a Cia Duberrô renasceu como Manuí, a partir do encontro e da parceria com o escritor Kaká Werá, com o Ponto de Cultura Arapoty Cultural e a gravação do cd Nhemonguatá.
Mesmo em tempos dominados pela alta tecnologia, a contação de histórias ainda exerce imenso fascínio entre as crianças. Alguma razão especial para isso?
As histórias sempre exerceram imenso fascínio e creio que isso nunca irá mudar, pois é da natureza humana o desejo e a necessidade de ouvir histórias, de alimentar o mundo imaginário. As altas tecnologias não suprem essa necessidade, seja da criança, seja do adulto. Muitas vezes, sentimos, inclusive, que a criança é quem leva o adulto para ouvir histórias.

Vale a pena fazer arte na contramão do que a grande mídia há décadas nos tem imposto? Que desafios têm sido maiores para manter viva a essência do Grupo Manuí?

É preciso muito trabalho e, sobretudo, muito comprometimento com os valores que acreditamos. O maior desafio, talvez, seja manter nossa liberdade de trabalhar como autônomos.

Como tem sido despertar o interesse de crianças e jovens de grandes centros urbanos para nossa cultura popular e suas raízes ancestrais?

Este é um dos nossos principais propósitos. Contar histórias que não foram contadas, especialmente aquelas que valorizam nossas raízes ancestrais e, consequentemente, nos valorizam como povo brasileiro. Histórias que moram debaixo do barro do chão, pois quanto mais forte é a raiz de uma planta, mais forte ela se torna. E conosco é assim também. Quanto mais conhecemos, respeitamos e valorizamos nossas raízes ancestrais, mais fortes nos tornamos como indivíduos e como povo. Além dos trabalhos voltados para o público infantil, temos um trabalho para jovens e adultos, o Ecos da Paulistânia (www.ecosdapaulistania.com.br), que traz diversas histórias sobre a formação da cultura do sudeste brasileiro, valorizando a influência indígena e africana na formação deste território cultural.

Podem nos contar sobre o projeto Nhemonguatá e sua repercussão?

Nhemonguatá é a palavra guarani que traduz a arte de contar histórias. Outra tradução seria tirar histórias que vêm de dentro. É o título do nosso primeiro cd de histórias indígenas. São histórias escritas pelo escritor indígena Kaká Werá, inspiradas na cultura kamayurá e guarani. Esse trabalho percorreu mais de 30 cidades e atingiu um público que ultrapassa 200 mil espectadores, sem contar a área de abrangência do cd, que já se encontra em quase todos os estados brasileiros e em diversos países.

E o Sarauzinho do Manuí, em que consiste?

O Sarauzinho é uma proposta onde convidamos alguns amigos artistas para partilharem com o público histórias, mitos e contos tradicionais de grandes autores, além de muitas cantorias e brincadeiras. Como em um sarau, nós convidamos também as crianças e adultos a participar, contando histórias, dizendo poesias, cantando músicas ou sugerindo brincadeiras. É uma proposta que contempla a formação de um público disposto a ouvir, ver, sentir e também, especialmente, a participar, protagonizar, brincar, contar e cantar.

Ao longo de 16 anos, que momentos consideram mais representativos para o grupo?

Foram muitas histórias, muito aprendizado, muitas emoções. A gravação e lançamento dos cds Nhemonguatá e Ecos da Paulistânia, em 2012, foi um marco muito importante na nossa história. Outro momento inesquecível foi apresentar A Menina e o Pássaro Encantado para o escritor Rubem Alves, em uma creche de Campinas, pouco tempo antes dele falecer. Recebemos a bênção do Rubem e foi muito especial. Nossa apresentação, para quase 1000 pessoas, na sede da Seicho No Iê, em Ibiúna, em um evento para educadores, também merece lembrança. Os preletores da Seicho-No-Ie receberam a orientação, vinda do Japão, de que os brasileiros deveriam honrar suas culturas ancestrais indígenas e convidaram Kaká Werá para uma palestra. Contar as histórias indígenas na aldeia guarani também foi muito gratificante, bem como levar o grupo indígena guarani Tembiguaí para cantar, tocar e apresentar a dança dos guerreiros (xondaro) e a dança das mulheres (tangará) nos SESCs Vila Mariana e Campo Limpo. Desde o carnaval de 2017, através de uma parceria com o Grupo Encantoria, temos realizado apresentações para grandes públicos, unindo bonecos, brincantes, poesias e narrações de histórias a nosso trabalho musical autoral, interpretado por uma banda de metais, bateria, percussões, vocais e cordas.

O que vem pela frente, ao longo de 2018?

Para 2018 estamos trabalhando na produção do nosso primeiro espetáculo teatral, Nhanderuvuçu – o Menino Trovão, com estreia prevista para abril. Para contemplar a excelência artística almejada, essa adaptação promoverá a interação entre diversas expressões artísticas, como narração de histórias, teatro de sombras, projeções animadas e música. O grupo convidou a sombrista e bonequeira Urga Maira e o cineasta José Sampaio para que os recursos do teatro de sombras e projeções pudessem ampliar as possibilidades de expressão cênica e estética, através dessa arte milenar, que encanta adultos e crianças. O espetáculo Nhanderuvuçu é baseado no livro A Voz do Trovão, de Kaká Werá, e inspirado no mito de criação dos povos guaranis. Pretendemos contribuir para que o teatro infantojuvenil brasileiro possa difundir a cosmovisão milenar nativa que, apesar de revelar traços profundos da identidade cultural brasileira, é pouco divulgada na escola e em produções artísticas. Em conseqüência, muitos brasileiros não sabem que temos uma mitologia milenar extremamente poética e refinada.

Sobre os autores da entrevista: Angelo Mendes Corrêa é mestre em Literatura Brasileira pela Universidade de São Paulo (USP), professor e jornalista. Itamar Santos é mestre em Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP), professor, ator e jornalista.

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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