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Rota das especiarias

Bastou uma noite,
depois uma tarde e um crepúsculo
um gesto que tardou
mas que enfim se revelou
em ânsia do ósculo
para que os teus lábios suspensos
e os teus olhos cintilantes
aguardando os meus alentos,
me fizessem acreditar como dantes
no Universo.

Desfizeste as minhas nebulosas
com os teus maravilhosos mundos novos,
as tuas auroras, manhãs em flor, madrugadas oblíquas.

Os últimos restos de supernovas
desparecendo em elipses
semi-conscientes.
Esqueci as maldições obsoletas,
os destinos anacrónicos,
os desejos virtuais,
as paixões diagonais,
os suicídios platónicos,
as noites boreais, as irís bálticas,
os cometas cadentes, as chuvas improfícuas
da minha alma, os pequenos planetas, os apocalipses tristes.

Sim, atravessei o deserto.
A fé e o coração entregue a cada nova duna.
Hoje sei que procurava um oásis incerto.
Detive-me na orla das miragens,
confundi o céu com falsas mensagens
desenhei mapas de utopia
no pó velho dos caminhos já olvidos
pelo vento e pelo tempo
molhei os pés, lavei os lábios,
crédulo da minha fortuna
mergulhei o corpo todo
para aliviar o meu tormento
mas as minhas caravanas
perdiam-se apenas ainda mais
nas tempestades de areia.

Como os sábios do Oriente,
outrora, na Galileia,
deixei-me guiar pelas tuas constelações sensuais
contornei as penínsulas dos teus ombros,
ancorei nas tuas baías,
o teu corpo abriu-se em rosa-dos-ventos.

Sem precisar de cartas de marear,
num só acto descobri a rota das especiarias
prometidas nas profecias.

A tua aragem a sol e a sal
inundou-me as narinas,
as tuas costas mornas e tranquilas,
a tua língua-gengibre,
os teus olhos-pérolas negras,
os teus cabelos perfumados de sândalo,
a tua pele noz moscada,
a tua nuca canela,
o teu peito pimenta acicatando o meu palato,
o teu marfim dilacerando a minha dor,
o meu passado,
o meu pudor.
Mas só quando avistei a praia e o mar
reflectindo o teu rosto
quando vi a tua pequena estrela
mais brilhante do que todas as minhas luas,
quando a tua espuma
reconheceu os meus dedos,
a minha boca e a minha voz,
então eu soube que tinha desaguado em ti,
como estava predestinado desde sempre,
desde a minha nascente
até à tua foz.

JLC15112005

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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