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“Palmeiras na neve” de Luz Gabás

Opinião

Ainda não recuperei do abanão que se instalou dentro de mim desde que há três dias encerrei a leitura de Palmeiras na neve. Ainda não tive coragem para entregá-la ao seu lugar na estante. E, pior do que isso, ainda não me entreguei à leitura do livro que desde domingo me faz companhia. Não pelo menos como sempre me entrego…

É esse o poder de uma obra que me abalroa. Que se entranha em mim como uma explosiva história de amor. Ou que se me mete no corpo como África se mete nas entranhas e na alma de quem algum dia pousou os pés nas suas terras e de lá mais não quis regressar.

Sabia, com aquele saber cá de dentro, que a obra de Luz Gabás me iria conquistar. Sabia-o muito por culpa da opinião de um bloguista espanhol que sigo com alguma devoção (e que nunca me defrauda) e dos vídeos que vão proliferando no youtube da adaptação da obra que foi feita para a grande tela e que estreará em Espanha no dia de Natal. Por tudo isto, tive que comprar a edição original da obra na última vez que estive em terras espanholas e, surpresa das surpresas, tive que comprar a tradução da mesma na Feira do Livro do Porto, onde a encontrei a preço de saldos e não hesitei a trazê-la para casa, com a desculpa perfeita de que, assim, o maridinho também poderia disfrutar de “Uma história comovente que recorda o nosso passado colonial e as lendárias plantações de África”.

Como o final de um período escolar é uma época caótica e carregada de trabalho e ainda mais responsabilidade, decidi ler a versão em português porque assim o meu cérebro não teria que esforçar-se tanto e leria mais depressa. Contudo, mais ou menos a meio da obra, vi-me obrigada a pôr de lado a obra em português e recorrer à sua versão original principalmente porque a tradução contém várias gralhas e algumas graves, que denotam falta de brio e de atenção. Apesar deste percalço linguístico, admito que nada conseguiria estragar o prazer e a sofreguidão com que absorvi, traguei as mais de 500 (700 na versão original) páginas da obra de estreia de Luz Gabás. Só mesmo um cataclismo pessoal ou familiar me impediria de me entregar totalmente e sem reservas a uma história que possui tudo, mas tudo para não me abandonar jamais.

Não há nada de extraordinário ou de original na narrativa criada por Luz Gabás. A autora socorre-se de uma herança histórica partilhada por muitos espanhóis que, tal como os seus familiares, trocaram as encostas geladas, inóspitas e cinzentas de aldeias pirenaicas e desafiaram-se a percorrer o oceano e a tentar a sua sorte nas plantações de cacau da então Fernando Poo, ilha e província da colonial Guiné Equatorial. A esta bagagem histórica acrescenta-lhe uma narrativa habilmente construída, que salta do passado ao presente e onde habitam personagens cativantes, redondas, complexas e ao mesmo tempo verdadeiras, verosímeis. Que me acompanharão. Que continuarão a aquecer-me e a confortar-me.

A narrativa arranca com um prólogo que, Dios mío, nos deixa com a pele toda arrepiada e não querer mais pousar a obra. Em frases curtas, prenhas de dor, perda, paixão arrebatadora e muitos outros sentimentos intensos, oferece-nos a oportunidade de presenciarmos um dos momentos clímax de uma história de amor como poucas. Uma história de amor protagonizada por um homem e uma mulher provenientes de dois mundos antitéticos, de um mundo povoado de palmeiras, de ferozes verdes, de espíritos, de um calor pegajoso e de uma atmosfera eletrizante e, por outro, de um mundo monocromático, de gelo e neve, de recato e de tradições também elas enraizadas. Uma história de amor que desesperadamente luta para unir estes dois mundos e poder ser uma realidade. Uma história de amor que salta da ficção e que nos recorda outras que fomos lendo por aí e encontrando em inúmeras famílias provenientes de países colonizadores de África como Portugal ou Espanha. Uma história de amor que prova que “a veces, solo a veces, las palmeras nacen en la nieve”.

Quem me conhece já me ouviu dizer variadíssimas vezes que nunca irei pôr os pés em nenhum país africano porque tenho fobia a determinados animais rastejantes que povoam as paragens africanas. Povoam também determinadas passagens da obra. Contudo, mesmo tendo lido essas partes com muita dificuldade e com a respiração aceleradíssima, dei comigo a sonhar (não em forma de pesadelo J) com as paisagens de Fernando Poo, com os sons, os cheiros e toda a mística que carrega a herança africana. Dei comigo a “invejar” a sorte de quem já teve o privilégio de conhecer África e de viver com ela, de a amar e nostalgicamente senti-la como sua.

Por tudo isto e porque também me fez saber mais sobre o passado colonial de Espanha (tão semelhante ao nosso…), sobre o que movia os colonos a querer manter-se em terras africanas e o que movia os autóctones a querer a sua independência, tenho que recomendar esta obra e recomendá-la vivamente. Ofereceu-me uma leitura marcante, muito marcante e intensa, que se manterá comigo e que me faz desejar muito, mas muito, ver a adaptação cinematográfica que estreará brevemente em Espanha e quem sabe em Portugal.

Deixo-vos o vídeo da canção de Pablo Alborán composta especialmente para a banda sonora do referido filme e que vos dá mais uma razão (e que razão saborosa) para deliciarem-se com esta história de palmeiras que podem nascer na neve.

NOTA – 10/10

Sinopse

Estamos no ano de 1953 e Kilian abandona a neve da montanha para iniciar com o seu irmão Jacobo, uma viagem apenas de ida para uma terra desconhecida, longínqua e exótica. Nas entranhas deste exuberante e sedutor território, espera-os o seu Pai, um veterano que trabalha na fazenda de Sampaka, o lugar onde se cultiva e tosta um dos melhores cacaus do mundo.

Nessa terra eternamente verde, cálida e voluptuosa, os jovens irmãos descobrem os encantos de uma vida social na colónia em contraste à vida monótona e cinzenta que se vivia na Espanha dos anos cinquenta. Trabalham o cacau com afinco e esforço para conseguir as melhores colheitas, conhecem o significado da amizade, da paixão, do amor, do ódio. Mas um deles irá cruzar uma linha proibida e invisível ao apaixonar-se perdidamente por uma nativa. Esse amor pulsante e urgente, marcado pelas circunstâncias históricas, irá mudar para sempre o rumo das suas vidas e será a origem de um segredo que marcará as suas vidas até ao tempo presente.

in http://osabordosmeuslivros.blogspot.pt/

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