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Os portugueses no sistema de ensino luxemburguês

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É do conhecimento de toda a gente que os portugueses são tratados como o parente pobre quando toca ao ensino, aqui no Luxemburgo. A 15 de Maio de 2014 um jornal em língua portuguesa ilustrava uma notícia com uma imagem sub-titulada “Os portugueses são os mais afectados pelo abandono escolar”. Os valores que davam origem a esta conclusão fazem parte do relatório que o Ministério da Educação publica todos os anos sobre o abandono escolar.

Uma análise numérica atamancada tenta justificar o título da imagem, misturando percentagens com números absolutos. Mas se olharmos com alguma atenção para o relatório do Ministério percebemos que não é a comunidade portuguesa a que tem maior taxa de abandono escolar. Seria interessante saber a quem interessa divulgar a estória, repetida pelo órgão de comunicação social em língua portuguesa, de que os portugueses são os que mais abandonam a escola.

Pouco tempo depois, em Outubro, houve o escândalo da proibição de se falar português nas escolas. Crianças portuguesas estavam a ser punidas por usarem a língua dos seus pais, mesmo que fosse no recreio. Paralelamente, sempre acompanhadas de algum receio, houve notícias de a proibição se estendia aos educadores lusófonos. Após desmentidos do Ministério e, sabe-se, comunicados internos para acabar com essa tendência parece que o assunto foi abafado. Mas não alterado.

No início deste ano houve um celebrar antecipado com o anúncio de que o “Português vai ser ensinado em nova escola pública no Luxemburgo”. Referiam-se à nova escola de Differdange. Em uníssono tivemos desde o Instituto Camões à CCPL a congratular-se com um trabalho de anos que finalmente teria resultados. A 29 de Janeiro, nas “páginas” do BOM DIA disse, e permito-me a veleidade de me citar: «Quanto ao que toca à comunidade portuguesa. Este acontecimento está longe de ser uma boa nova. (…) esta oferta não é dirigida à nossa comunidade». Trataram-me de tudo. Em meados de Maio deste ano ficámos a saber, pela voz dos mesmos que anunciavam, pouco depois dos Reis, a boa nova que afinal a “Escola Internacional de Differdange arranca sem português”.

Foi também no mês de Maio deste ano que veio a lume um estudo realizado pela universidade do Luxemburgo que concluía que descurar a língua materna pode conduzir a problemas de aprendizagem. Mas o que é isso da língua materna? A língua materna é aquela que se aprende desde pequeno, dizem os dicionários. Mas, dizem os entendidos, para que a língua materna o seja verdadeiramente é necessário que a criança esteja imersa num ambiente em que esta é falada com alguma fluência e sem distorções. Esse mesmo estudo revela-nos também que a falta de vocabulário das crianças portuguesa na sua língua dita materna é atroz. As conclusões desse estudo vão ao ponto de dizer das crianças portuguesas que, e cito: “têm um vocabulário tão pobre que não conseguem nomear as frutas mais conhecidas”. Será o português a língua materna destas crianças? Depois de integrarem o sistema de ensino, manterão mais fluência e capacidade de expressão de sentimentos na suposta língua materna ou na língua adquirida entretanto?

No início do mês que corre, para podermos contextualizar, o Ministro da Educação Nacional deslocou-se ao Liceu Michel Lucius para discutir o “Sucesso dos Jovens Lusófonos”. Foram parceiros na organização deste evento o Camões e a CCPL. Os portugueses que estiveram presente no evento quase que se contavam pelos dedos.

Na semana passada tivemos notícia de um outro estudo realizado pela Universidade do Luxemburgo que conclui que as crianças portuguesas, tão só porque são portuguesas, são alvo duma orientação escolar tendenciosa. O estigma é real – os alunos portugueses são olhados com desdém e, atrever-me-ia a dizer, com a sobranceria que um capataz olha o servente.

Esta última notícia teve, por parte das entidades que deveriam representar os anseios da comunidade portuguesa o mesmo silêncio ensurdecedor que praticamente todas as outras de índole negativa aqui enumeradas. A única voz que se ouviu, a intervir de mote próprio, foi a da eurodeputada Marisa Matias.

Qual não é pois o meu espanto ao ouvir as vozes, até aqui caladas, no programa “Câmara dos Representantes” que a RDP difunde. Foi ouvido o responsável pelo ensino de Português no Luxemburgo e o Porta-voz da CCPL.

Quanto ao primeiro, e após afirmar que há um interesse crescente pela língua portuguesa, não foi capaz de concretizar na oferta que há da língua de Pessoa aqui no Grão-Ducado. Justificou o interesse crescente com a estabilidade do número de alunos, junto eu, do ensino de português às crianças. Não se conhece por parte do Camões , admito que seja falha minha, oferta formativa da língua que tem por função promover.

Do segundo, após anunciar que sempre foi fazendo para acabar com esta situação, admite a derrota e ter colocado a prole a estudar no ensino privado: faz como eu digo, não faças como faço. Mais, quando questionado sobre se os portugueses são um alvo preferencial do da discriminação do sistema de ensino luxemburguês, e após ter enumerado algumas das dificuldades dos alunos lusos no que toca à escolaridade local, vem dizer que é um problema de classe. Que tem a ver com a condição social. A justificação para isto é a de que os pais portugueses com posses podem sempre optar por colocar os seus filhos no sistema privado ou enviá-los para estudar no estrangeiro.

Voltando um pouco atrás, ao evento que teve lugar no liceu Michel Lucius. Nem o Camões nem a CCPL, esses grandes defensores da comunidade e da língua portuguesas, se preocuparam em fazer grande divulgação do evento.  A discussão da educação dos portugueses no Luxemburgo não é, claramente, assunto que lhes interesse para além das luzes da ribalta.

Diz-me com quem andas, dir-te-ei quem és.

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