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Os clubes e as sociedades desportivas: regimes aplicáveis e tributação

A complexidade do fenómeno desportivo no panorama actual leva a que a estruturação de uma organização desportiva seja um tema com crescente relevo, na medida em que existem importantes diferenças no quadro legal da tributação, por um lado, dos clubes desportivos e, por outro lado, das sociedades desportivas.

A legislação fiscal em vigor consagra algumas diferenças no tratamento conferido a clubes e a sociedades desportivas e, especificamente em relação a estas últimas, estabelece um conjunto de regras específicas, designadamente, em matéria de dedução de gastos, de amortizações, de exclusão parcial de tributação de mais-valias realizadas com a transmissão onerosa de direitos de contratação de jogadores profissionais, bem como isenções fiscais em operações de reorganização e um regime próprio de responsabilidade pelo pagamento de dívidas à Administração tributária e à Segurança Social.

Qualificação como clube ou sociedade desportivas

Na realidade desportiva, existem duas entidades que assumem maior relevância e que, não obstante serem ambas pessoas colectivas, têm estruturas e escopos diferentes, designadamente, de acordo com a Lei de Bases da Actividade Física e do Desporto: clubes e sociedades desportivas.

O Decreto-Lei n.º 10/2013, de 25 de Janeiro (Regime Jurídico das Sociedades Desportivas) prevê que uma sociedade desportiva deve ser constituída sob a forma de:

A sociedade desportiva pode ser constituída de três formas: (i) de raiz; (ii) pela transformação de um clube desportivo; (iii) pela personalização jurídica de uma equipa (i.e., quando o clube transfere para uma sociedade desportiva a totalidade ou parte dos direitos e obrigações de que é titular e que estão afectos à participação em competições desportivas profissionais, situação em que o clube fundador deve deter, directamente, um mínimo de 10% do capital social da sociedade).

É, também, permitida a transformação de uma sociedade desportiva numa sociedade desportiva de tipo societário diferente (v.g. uma SUDQ pode transformar-se em SAD).

Este processo de transformação assume carácter irreversível, na medida em um clube que se transforme numa sociedade desportiva ou que personalize a sua equipa profissional só pode participar em competições desportivas de carácter profissional desde que tenha o estatuto jurídico de sociedade desportiva.

O objecto de uma sociedade desportiva deve consistir na participação numa ou mais modalidades, em competições desportivas, na promoção e organização de espectáculos desportivos e no fomento ou desenvolvimento de actividades relacionadas com a prática desportiva da modalidade ou modalidades que a sociedade tenha por objecto.

O regime Jurídico das Sociedades Desportivas

I) Capital Social mínimo

As sociedades desportivas devem ser constituídas com um determinado capital social mínimo, consoante as modalidades e competições em que participem:

Competições

SAD

SUQD

Participação na 1ª liga profissional de futebol

1.000.000 €

250.000 €

Participação na 2ª liga profissional de futebol

200.000 €

50.000 €

Outras competições profissionais

250.000 €

50.000 €

Competições não profissionais

50.000 €

5.000 €

Caso uma sociedade desportiva tenha por objecto a prática de várias modalidades, o capital social mínimo tem de ser o correspondente ao capital social mínimo exigido para a modalidade que requer o capital social mais elevado.

A realização, em dinheiro, de 50% do capital social pode ser diferida por um prazo máximo de 2 anos.

II) Tipos de Acções

As SAD têm acções de categoria A (destinadas a serem subscritas pelo respectivo clube fundador quando a sociedade se tenha constituído por personalização jurídica de uma equipa) e acções de categoria B (nos restantes casos), ambas nominativas.

A quota indivisível e intransmissível representativa do capital da SUDQ deve pertencer integralmente ao clube fundador, podendo, no entanto, uma associação desportiva ser titular de mais do que uma SUDQ, desde que respeitantes a modalidades distintas.

III) Transferência de direitos desportivos

De acordo com o regime jurídico das sociedades desportivas, quando há lugar à personalização jurídica de uma equipa desportiva, são automaticamente transferidos para a sociedade desportiva constituída os direitos de participação nas competições em que estava inserido o clube fundador, bem como os contractos de trabalho e de formação desportiva relativos a praticantes da(s) modalidade(s) que constitui(em) o objecto da sociedade.

A tributação do rendimento ou lucro

I) Clubes desportivos

Os clubes desportivos, enquanto pessoas colectivas, são considerados sujeitos passivos de IRC.

O imposto incide sobre o rendimento global do clube, isto é, o correspondente à soma algébrica dos rendimentos líquidos das diversas categorias consideradas para efeitos de IRS e, bem assim, dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito.

Ao rendimento global sujeito a imposto são dedutíveis os gastos comuns e outros gastos (desde que não estejam especificamente ligados à obtenção de rendimentos não sujeitos ou isentos de IRC), bem como eventuais benefícios fiscais.

Destaque para a possibilidade de os clubes desportivos poderem deduzir à matéria colectável (do próprio exercício fiscal ou do exercício seguinte) 50% do montante investido em novas infra-estruturas, desde que esses montantes não provenham de subsídios.

No que diz respeito à taxa, é aplicável a taxa geral de IRC (actualmente, de 21%), sem prejuízo da eventual aplicação da derrama estadual e de taxas de tributação autónoma a certos encargos.

De acordo com o Código do IRC, estão isentos de imposto os rendimentos directamente derivados do exercício de actividades desportivas, quando obtidos por associações legalmente constituídas para o exercício destas actividades e sejam cumpridos os seguintes requisitos cumulativos:

  • inexistência de distribuição de resultados;
  • inexistência de interesse, directo ou indirecto, dos membros dos órgãos sociais da associação nos resultados de exploração das actividades prosseguidas; e
  • contabilidade ou escrituração que abranja todas as actividades e que a mesma seja posta à disposição dos serviços fiscais.

Para efeitos de IRC, em especial da isenção referida, não se consideram rendimentos directamente derivados do exercício de actividades desportivas os provenientes de qualquer actividade comercial, industrial ou agrícola exercida em ligação com estas actividades e, nomeadamente, os provenientes de publicidade, direitos respeitantes a qualquer forma de transmissão, bens imóveis, aplicações financeiras e jogo do bingo. Quando esteja em causa tributação de tais rendimentos, o apuramento da matéria colectável é feito nos moldes supra referidos.

Ficam sempre isentos de IRC os rendimentos das colectividades desportivas, desde que a totalidade dos seus rendimentos brutos sujeitos a tributação (e não isentos) seja igual ou inferior a 7.500€.

II) Sociedades desportivas

As sociedades desportivas também são consideradas sujeitos passivos de IRC.

Difere, no entanto, o método de determinação da matéria tributável, visto que, neste caso, a mesma é aferida em relação ao lucro tributável, como sucede com a generalidade das sociedades comerciais sujeitas ao regime normal de IRC.

O lucro tributável corresponde à soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período (e não reflectidas naquele resultado), determinados com base na contabilidade.

Similarmente, é aplicável a taxa geral de IRC (21%). Porém, caso a sociedade desportiva seja uma pequena ou média empresa, é aplicável uma a taxa de IRC mais reduzida (de 17%) aos primeiros 15.000 de matéria colectável (ao remanescente, aplica-se a taxa normal de 21%).

O espectro temporal para a dedução ao lucro tributável de prejuízos fiscais (sempre limitada a 70% do lucro tributável do período) pode ser de 12 ou 5 períodos de tributação, consoante, respectivamente, o sujeito passivo de IRC possa ou não ser qualificado como uma micro, pequena ou média empresa, de acordo com o Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro:

N.º de trabalhadores

Volume de Negócios ou Balanço Anual

Dedução de prejuízos fiscais

Micro empresa

< 10

< 2.000.000€

12
períodos de tributação

Pequena empresa

< 50

< 10.000.000€

Média empresa

< 250

< 50.000.000€ (volume) ou

< 43.000.000€ (Balanço)

Restantes Empresas

Igual ou superior aos valores relativos à média empresa

5
períodos de tributação

Ao lucro tributável são, ainda, dedutíveis os gastos incorridos e as perdas suportadas pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos tributáveis.

Segundo a Lei n.º 103/97, de 13 de Setembro, republicada pela Lei n.º 56/2013, de 14 de Agosto (Regime Fiscal das Sociedades Desportivas), as quantias atribuídas ao clube fundador que goze de estatuto de utilidade pública e sejam por este investidas em instalações ou formação desportiva são, na esfera da sociedade desportiva, consideradas como gastos do exercício na sua totalidade.

Também os montantes pagos pela sociedade desportiva a título de exploração dos direitos de imagem dos agentes desportivos (jogadores e treinadores por si contratados) são expressamente considerados gastos fiscalmente dedutíveis, mas apenas em 20% do respectivo montante total.

Em matéria de dedução de gastos relacionados com a exploração de direitos de imagens, o entendimento jurisprudencial e da Administração tributária (cfr. Circular n.º 17/2011 da Direcção-Geral dos Impostos) parte da concepção do artigo 23.º do Código do IRC como crivo último à dedutibilidade, como gastos, dos montantes pagos a título de exploração de direitos de imagens.

O critério presente no artigo 23.º do Código do IRC reconduz-se à aceitação da dedutibilidade de um custo quando este puder ser considerado, em abstracto, adequado à obtenção ou manutenção de rendimentos sujeitos a IRC. De forma a que a Administração tributária não se imiscua na gestão da empresa e não sejam derrogados princípios constitucionais relevantes, como os da propriedade privada e da liberdade de iniciativa económica, a dedutibilidade fiscal de um gasto depende da existência de uma relação causal e justificada com a actividade produtiva da sociedade, sendo irrelevante se, em concreto, o mesmo contribuiu para efectiva obtenção de um proveito.

No Acórdão do Tribunal Arbitral Tributário do CAAD n.º 347/2016-T, foi entendido que a mera titularidade de direitos de imagem – ainda que, directamente, destes não resultasse um incremento nos rendimentos do respectivo titular -, constituía uma vantagem na negociação de contractos de patrocínio e na obtenção de patrocinadores, algo que, indubitavelmente, concorria para a obtenção de rendimentos e, portanto, justificava a dedutibilidade fiscal dos gastos associados à respectiva exploração.

Ainda a propósito das operações realizadas entre o clube fundador e a sociedade desportiva, cumpre realçar que, existindo entre eles relações especiais (tal como definidas no Código do IRC e que, em geral, se verificam quando uma entidade tem o poder de exercer, directa ou indirectamente, influência significativa nas decisões de gestão da outra), deve ser observado o chamado preço de plena concorrência, isto é, termos e condições (v.g. preço, taxa de juro) substancialmente idênticos aos que seriam contratados e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis, aplicando-se, assim, o regime de preços de transferência, conforme decidiu o Tribunal Arbitral Tributário do CAAD no referido Acórdão n.º 347/2016-T.

As amortizações no âmbito das sociedades desportivas

O Regime Fiscal das Sociedades Desportivas estabelece que os direitos de contratação dos jogadores profissionais – quando inscritos em competições desportivas de carácter profissional ao serviço de uma sociedade desportiva – são considerados activos intangíveis cuja amortização pode ser aceite como gasto fiscal.

O valor amortizável destes direitos é o valor do custo de aquisição ou, não o havendo, o custo de formação do atleta, o que inclui:

  • as quantias pagas pela sociedade desportiva aos detentores dos direitos económico-desportivos como contrapartida pela transferência;
  • as quantias pagas ao próprio jogador pelo facto de celebrar ou renovar contrato (ditos “prémios de assinatura”); e
  • os montantes pagos a agentes ou mandatários relativos à transferência de atletas.

A quota anual de amortização que pode ser aceite como gasto fiscalmente dedutível é a que corresponde à aplicação das taxas de amortização determinadas em função da duração do contrato celebrado com a sociedade desportiva, utilizando o método das quotas constantes.

Os valores que sejam pagos ou atribuídos a entidades não residentes submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável não são considerados amortizáveis.

Mais-valias realizadas com a transmissão onerosa de direitos de contratação de jogadores profissionais

Para efeitos de IRC, as eventuais mais-valias resultantes da transmissão onerosa de direitos de contratação de jogadores profissionais são consideradas em apenas 50% do seu valor – ou seja, há uma exclusão parcial de tributação – quando o valor de realização (grosso modo, o valor de venda) for reinvestido na contratação de jogadores ou na aquisição de bens do activo tangível afectos a fins desportivos, até ao término do terceiro exercício seguinte ao da realização (venda).

Benefícios fiscais aplicáveis ao processo de reorganização

Para sociedades que se reorganizarem nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2013 (Regime Jurídico das Sociedades Desportivas), está estabelecida uma isenção do Imposto de Selo, dos emolumentos e de outros encargos legais que sejam devidos pela prática dos actos inseridos neste processo de reorganização (v.g. constituição de sociedade(s) desportiva(s), incorporação por sociedade desportiva da totalidade ou parte dos activos de clubes desportivos, entre outros).

Prevê-se, igualmente, uma isenção (total ou parcial) de IMT para as transmissões de imóveis necessários a esta reorganização, a qual deve ser aprovada pelo órgão autárquico competente após ter sido reconhecido o interesse municipal da operação.

Tais benefícios não são automáticos e são concedidos por despacho do membro do Governo responsável pela área das finanças, a pedido dos clubes desportivos, mediante pareceres prévios da Administração tributária, da entidade pública que tutela o desporto e do Instituto dos Registos e do Notariado.

Neutralidade na transmissão de elementos do activo do clube desportivo para sociedade desportiva

Quando sejam transmitidos elementos do activo do clube desportivo para a sociedade desportiva (ou para outra sociedade maioritariamente detida pela sociedade desportiva ou pelo clube fundador), é aplicável, por remissão do Regime Fiscal das Sociedades Desportivas, o regime de neutralidade fiscal estabelecido pelo Código do IRC para as fusões, cisões e entrada de activos, de acordo com o qual (i) não é considerado qualquer resultado derivado da transferência destes elementos patrimoniais no lucro tributável da sociedade contribuidora e (ii) é diferida para o momento da sua efectiva realização a tributação dos ganhos obtidos com esta transferência de elementos.

Para que tal regime seja aplicável, a sociedade beneficiária tem a obrigação de manter, para efeitos fiscais, os elementos patrimoniais objecto de transferência pelos mesmos valores que tinham na sociedade contribuidora antes da realização das operações.

Por sua vez, na determinação do lucro tributável da sociedade beneficiária, deve ter-se em conta que o apuramento dos resultados respeitantes aos elementos patrimoniais transferidos é feito como se não tivesse havido entrada de activos.

Para além da observância, com as necessárias adaptações, dos requisitos estipulados pelo artigo 74.º do Código do IRC, cumpre sublinhar que, nas sociedades desportivas, este regime de neutralidade fiscal é aplicável apenas durante os primeiros 5 anos a contar do início da actividade.

A responsabilidade solidária pelo pagamento de dívidas fiscais

O Regime Fiscal das Sociedades Desportivas determina que a sociedade desportiva é solidariamente responsável com o clube fundador por quaisquer dívidas fiscais e à Segurança Social relativas ao período anterior à data da operação de reorganização.

Assim, em caso de incumprimento por parte do clube fundador, a sociedade desportiva pode ser chamada pela Administração tributária ou pela Segurança Social a pagar a totalidade da dívida, embora a sua responsabilidade esteja limitada ao valor dos activos que lhe tenham sido transferidos pelo clube.

Lisboa, Maio de 2017

Rogério M. Fernandes Ferreira, Jorge Lopes de Sousa e Michel Veloso Vieira

www.rfflawyers.com

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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