Abri em mim um espaço vazio, coloquei nele uma luz difusa a projetar memórias e sombras, embalei com mansidão a ternura ausente, ouvi o som dos sinos a ecoar nas madrugadas espessas de neblina. Foi ali que julguei recuperar o tempo, aquele tempo sacralizado de gestos e silêncios.
Fugi dos abismos, das incontornáveis tormentas através das palavras.
Aninhei-me no silêncio, na impermeabilidade da luz e da razão-pensei encontrar-te. Encenei palavras, decifrei códigos num poema reescrito mil vezes. E mil vezes deambulei numa terra de ninguém, deserta, nua, fria, à procura do que ainda podia restar de ti, de mim, de nós.
Afrontei a noite, ferida de morte e escuridão o meu semblante cansado!
Criei nas palavras um lugar de pertença, onde na fugaz passagem do tempo te alojei. Materializei os sons e a memória dos gestos num itinerário de luz e de penumbras, na simbologia poética da metáfora. Já não são desfocadas as memórias do passado, aquelas em que por ti reescrevi o presente.
Desce agora sobre o poema uma luz difusa, sinais do teu olhar luminoso e transparente.
E neste lugar tudo se confunde, a luz e a sombra, a presença e a ausência, a sacralização da memória, o meu e o teu olhar.
O teu olhar mãe!