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“O mar por cima” de Possidónio Cachapa

Ficha técnica

TítuloO mar por cima

Autor – Possidónio Cachapa

Editora – Oficina do Livro

Páginas – 240

 

Opinião

O nome Possidónio Cachapa por si só provoca estranheza e intriga. Recordo-me de ter esbarrado nele há uns bons anos quando li uma crítica sobre um romance seu. Por coincidência, o meu cunhado também descobriu este autor por essa altura, comprou umas obras suas e espicaçava a minha curiosidade elogiando o seu estilo e as suas histórias. Contudo, e por motivos que não consigo explicar, fui protelando e protelando a entrada no mundo deste escritor que, à partida, oferecia ingredientes mais do que suficientes para enriquecer as minhas leituras.

O início de um novo ano traz habitualmente promessas, novas resoluções e, imbuída desse espírito resolutivo, decidi não perder mais tempo e trazer da minha primeira visita de 2017 à biblioteca da terrinha o único exemplar que possuem das obras de Possidónio Cachapa.

Mar por cima encerra em si uma história sofrida, dorida e de alguma forma claustrofóbica. Claustrofóbica como involuntariamente sempre me pareceu uma vida que é vivida rodeada por mar por todos os lados, que nos impossibilita a fuga, a evasão, a procura de uma liberdade que o continental (como oposto ao insular) permite aos seus habitantes. Sei que esta visão de uma existência nas ilhas é redutora, mas não consigo evitá-la e senti-a sempre comigo, ao meu lado, enquanto lia as páginas de Mar por cima, que, de uma maneira ou de outra, a exacerbou.

Colocando parte da sua narrativa numa das ilhas do arquipélago açoriano; colocando uma ênfase muito particular no mar, num horizonte aquático sem fim e aprisionador; apresentando-nos personagens perdidas, encarceradas na sua geografia interior, nos meus medos, demónios, culpas, e ao mesmo tempo amputadas pelo preconceito social, Possidónio Cachapa coloriu os primeiros dias do meu 2017 com tons negros – tal como tanto gosto. Não é novidade nenhuma que busco na ficção sobretudo o que não é agradável, doce e fácil. E portanto a leitura de O mar por cima foi, no mínimo, saborosa e a estreia no mundo do seu autor muito aprazível.

A narrativa desta obra centra a sua atenção em duas personagens masculinas que aparentemente nada têm em comum. Por um lado, está Ruivo, um agente policial que vive com a namorada em Lisboa e, por outro, temos David, um rapaz introvertido que, por razões familiares, se vê obrigado a mudar para os Açores. Intercalando estas personagens e correspondentes ações paralelas, vamo-nos deparando com capítulos escritos em itálico que focam a sua atenção no mar, no quotidiano de gente que sempre viveu dependente dessa realidade aquática, onde homens, mulheres e insignificantes pedaços de terra, rochedos e plantas nada mandam. A unir tudo isto, as personagens referidas e os espaços em que deambulam, temos a dor, o sofrimento sofrido em silêncio, a culpa, a perda, a busca de calor e aconchego e sobretudo a já mencionada claustrofobia, os já mencionados enclausuramento, peso, sufoco e impotência.

Introduzi-me tarde no mundo literário de Possidónio Cachapa. Mais tarde do que havia previsto. Mas mais vale tarde do que nunca. Gostei do que li, gostei do estilo, da sua escrita e faço tenção de pedinchar ao meu cunhado que me empreste as obras que tem de Possidónio em sua casa.

Como tal e por tudo o que referi, recomendo.

NOTA – 08/10

Sinopse

Romance de uma intensidade feroz, capaz de abalar a nossa visão do mundo, das pessoas e do amor. Narrativa crua mas simultaneamente pura, uma vertigem de sentimentos com uma dimensão espiritual e que, por isso, tem de ser engolida pelo mar, pelo inexplicável… O Mar por Cima é um desafio à nossa tolerância e aos nomes dos nossos sentimentos. 

in O sabor dos meus livros

Esta publicação é da responsabilidade exclusiva do seu autor.

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