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O Maestro

Quando o Maestro levantou os braços, fê-lo por natural instinto.

Poder-se-ia imaginar que pelo facto de ser Maestro, e pelo gesto de levantar os braços nos estaríamos a referir à sua conduta numa qualquer orquestra. Mas não. O Maestro levantou os braços numa reação normal de quem subitamente se vê perante uma situação que põe em risco a sua integridade física, e até mesmo a sua vida. Levantou os braços, mesmo antes do medo se manifestar. Levantou os braços porque, perante a ameaça outra coisa não era de esperar.

– Isto é um assalto.

O assaltante saiu-lhe repentinamente de uma esquina solitária, das muitas esquinas solitárias da noite, da cidade. A noite, por sua vez, sorrateira e silenciosa cobrindo a cidade, como se sobre ela estendesse o seu manto de escuridão, à medida que as luzes se acendem para iluminarem alguns espaços que esse manto cobre, dá abrigo ás maiores atrocidades, ao mesmo tempo que em silêncio as testemunha.

O assaltante não surgiu apenas de rompante, da esquina, das muitas esquinas da cidade. Cobardemente, esperou sob o manto escuro que a noite lançou sobre ela, e como um predador pronto a agarrar a sua presa, saltou para a luz que iluminava o espaço coberto pelo manto escuro da noite. Trazia na mão uma navalha, que em tom ameaçador apontou ao Maestro.

O Maestro, um homem culto, inteligente, sábio, e acima de tudo sensato, só irá saber se ficará com medo justificado, perante a situação assustadora, se o assaltante se revelar um ignorante, ou alguém que, apesar das circunstâncias ainda tem alguns miolos.

Por isso, calmamente e com inteligência vai tentar dissuadi-lo de praticar o ato em iminência. O sucesso desse ato não está na sua capacidade de dissuasão e na inteligência em o praticar, mas sim na capacidade de o possível dissuadido o entender. Afinal de contas, o desfecho desta situação não está nas mãos do Maestro, que apesar de tudo “não baixa os braços”, mas sim na capacidade de entendimento aos seus argumentos, por parte do assaltante…

Porque, por motivos profissionais trabalho longe de casa, sempre que regresso à mesma, onde se encontra a minha família, esposa e filhos, tento o mais que posso disfrutar de todos os momentos na sua companhia. O primeiro dia do ano, não foi uma exceção.

Por isso, depois de todos se terem levantado da cama, recuperados de uma noite de fim de ano, por motivos mais do que evidentes mais tardia do que a maior parte de todas as outras desse ano que findou, decidiu-se que iríamos tomar o pequeno almoço ao café, na Ecclesall Road, na bonita cidade de Sheffield.

Nos cerca de 10 minutos que nos separam da casa, e da dita emblemática rua onde se situa o café, na curta viagem de carro, enquanto os sons de uma conversa amena entre família, se sobrepunham à radio, as noticias que se seguiram à musica de Ed Sheeran, abafaram por momentos as nossas vozes.

Em Londres, na passagem de ano, quatro assaltos com arma branca, em diferentes pontos da cidade, e sem conexão entre eles, fizeram quatro vitimas mortais, e alguns feridos em estado considerado grave. Nessa mesma manhã, em Sheffield, uma rixa envolvendo, uma vez mais, arma branca, fez duas vitimas mortais e levou à prisão de dois jovens com pouco mais de 20 anos. Em Leeds, uma jovem foi encontrada morta, esfaqueada. Uma outra jovem de apenas 22 anos, desaparecida na noite de Natal, foi encontrada morta em Finsbury Park, norte de Londres, perto da casa onde vivia, com indícios de facada e ferimentos na cabeça.

E a pergunta que eu faço a mim mesmo é provavelmente a mesma que muitos fazem. Mas que raio de raça humana é esta que deveria ser supostamente a mais inteligente do planeta, e é ao mesmo tempo a mais perigosa, não só para o planeta em si, como se isso não bastasse, a mais perigosa para a própria espécie da qual faz parte!

Que raio de raça humana é esta que inventa meios de explorar o universo, que cria impossíveis, que cria e desenvolve tecnologias para lá do imaginável, que faz o que nenhum outro ser vivo no planeta é capaz, que vai onde nenhum outro jamais irá, que quase faz milagres, e em contrapartida é capaz das maiores atrocidades, das maiores malvadezas, de inimagináveis crueldades…

O que faz de nós, humanos!

Ah… a propósito… o Maestro está morto e o assaltante está preso. E, no entanto, o que mais dói neste caso, nem sequer é só a perda de um homem bom, inteligente e útil à sociedade, porque essa é infelizmente irreversível, e ele será chorado e lembrado sempre. O que dói é saber que o assaltante, por ser tão burro e ignorante, por muitos anos de prisão que tenha pela frente, não tem inteligência, ou muito menos humildade suficiente, para que alguma vez entenda a dimensão da merda que fez. O que mais dói é saber que o mundo perdeu um homem bom e culto, inteligente e útil, e nesse mesmo mundo ficou uma besta da qual a sociedade, e o bem da mesma, nunca tirará algum proveito.

Mais do que o azar do Maestro encontrar nessa noite um assaltante, foi o de encontrar um ignorante.

O que faz de nós, humanos…!

 

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