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O fim do romantismo

Quando se fala cada vez mais de relações frágeis, divórcios e casamentos que morrem quase à nascença, dou comigo a pensar na ousada teoria que Allain de Botton defende. Segundo ele, o grande culpado de as pessoas desatarem a divorciar-se e a terminar uma relação quando surge o primeiro obstáculo é, vá-se lá imaginar, o Romantismo. O filósofo suíço refere-se ao movimento estético e literário que vigorou na Europa durante o século XIX. Esta corrente é caraterizada por uma busca incessante pela perfeição, uma procura doentia pelo inatingível. Não é por acaso que mitos como o de Prometeu e de Ícaro renascem nesta altura. É precisamente por estes representarem um confronto com o estabelecido, de modo a ser atingida uma nova realidade, nunca antes vivenciada, que estas estórias foram resgatadas pelos românticos e por eles defendidas como autênticas doutrinas dogmáticas. Como seria de esperar, e porque o ideal só existe porque nunca foi atingido, nenhum desses românticos resgatou para si essa tão procurada perfeição. Espalhou-se, então, por entre eles o chamado spleen, uma profunda melancolia e um tédio existencial por a realidade não ter ido de encontro ao que eles procuravam. Allain de Botton diz que este tipo de mentalidade se arrastou, de certa forma, até aos dias de hoje, principalmente no que diz respeito às relações humanas. Segundo ele, todos nós, de uma maneira ou de outra, ainda acreditamos na mulher-anjo de Petrarca ou no príncipe encantado dos contos de fadas. Acreditamos que o vamos encontrar, casar com ele e vivermos felizes para sempre. Mesmo quando, antes de se partir para oficialização da relação, as pessoas passam anos a fio juntas, parece que não se conhecem verdadeiramente, filtrando aquilo que veem e vendo apenas aquilo que querem ver. Por receio, vergonha ou embaraço, não se discutem defeitos e loucuras. Fazemos de conta que não existem ou acreditamos profundamente, caso estejamos conscientes delas, que com o tempo acabarão por desaparecer. Inevitavelmente, quando passamos a partilhar o mesmo espaço para viver e a vermo-nos obrigados a partilhar cama, sofá e televisão a realidade muda. Eventualmente acabamos por dar de caras com os defeitos um do outro e não há como fingir que eles não existem. Surgem, então, os problemas, e a porca acaba por torcer o rabo. Assim, Allain de Botton diz que, se as pessoas deixarem de ser tão românticas e passarem a ser mais pragmáticas, muitas destas desilusões serão evitadas. Se passarmos a falar abertamente sobre o nosso lado mais sombrio, sobre as caraterísticas que tão afincadamente tentamos esconder, as surpresas desagradáveis vão obrigatoriamente diminuir. O filósofo suíço vai mais longe e diz que, se fosse ele a governar o mundo, instituiria um tema obrigatório para falarmos ao jantar com a nossa família. Depois de falarmos sobre o nosso dia e antes de darmos a opinião acerca das últimas notícias, haveríamos de falar dos nossos desvarios, diariamente, como se de um rito se tratasse. Dessa forma, tornar-se-ia comum abordarmos os nossos defeitos, incluindo aqueles que, ainda que inocentemente, não queremos que sejam descobertos durante toda a nossa existência. Simultaneamente, evitamos ilusões desnecessárias e desilusões futuras.

Ainda que não concorde totalmente, reconheço a validade do raciocínio e, face ao que vemos acontecer à nossa volta, faz sentido alguém chegar a este tipo de conclusões. Não devemos abandonar definitivamente as nossas ilusões e sonhos, ainda assim devemos ser pragmaticamente conscientes que não há seres, relações ou uniões perfeitas e imutáveis. Existem sim, pessoas que amamos acima de todo e qualquer defeito, para lá da maior das imperfeições e que estaremos dispostos, assim como esperamos que essas pessoas estejam a compreender, a ultrapassar e a amar também essas maluqueiras.

 

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