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O filme português que está a encantar o festival de cinema de Berlim

“Estar distante de Portugal e imerso noutro contexto cultural tornou certas coisas mais claras”, Hugo Vieira da Silva

Quinta-feira foi o primeiro grande dia da 66.ª edição do Festival Internacional de Cinema de Berlim – a decorrer até 21 de fevereiro – que, este ano, recebe quatro longas metragens portuguesas.

“Posto Avançado do Progresso”, realizado por Hugo Vieira da Silva e produzido por Paulo Branco é uma delas e estreou sexta-feira.

A terceira longa-metragem do realizador português foi selecionada para a secção Fórum deste certame, conhecida como a categoria mais experimental e inovadora do festival. Esta é já a segunda vez que o trabalho do realizador está no Berlinale: em 2011, o filme “Swans” da sua autoria também foi apresentado nesta mesma secção.

De acordo informação do site oficial do filme, a ação “passa-se no final do século XIX, no momento em que dois colonizadores portugueses desembarcam nas margens do Rio Congo para coordenarem um posto comercial de marfim. À medida que o tempo passa, começam a desmoralizar pela sua incapacidade de enriquecer à custa do comércio de marfim. Sentimentos de desconfiança mútua e mal-entendidos com a população local isolam-nos no coração da floresta tropical. Confrontados um com o outro iniciam uma caminhada em direcção ao abismo”.

O novo filme é uma adaptação da obra homónima de Joseph Conrad, um dos maiores escritores do século XIX.

A ideia de realizar o “Posto Avançado do Progresso” também está relacionada com as vivências de Hugo Vieira da Silva, desde que saiu de Portugal. “Vivendo fora de Portugal há já bastante tempo, primeiro na Alemanha e agora na Áustria, tornou-se inevitável fazer uma espécie de auto-reflexão identitária. Provavelmente as questões que coloco em permanência a mim mesmo (sobre o que sou, sobre Portugal e os Portugueses) não têm resposta definitiva mas é certo que o facto de estar distante de Portugal e imerso noutro contexto cultural tornou certas coisas mais claras. É como se tivesse sofrido de uma espécie de miopia que só pôde ser resolvida saindo do país”.

E isso levou o realizador a pensar mais sobre a história portuguesa e a sobre a questão colonial enquanto fator decisivo para a construção identitária dos Portugueses. “Isso prolonga-se até hoje, até à minha geração, mesmo que tenha havido nos anos 80 e 90 uma espécie de hiato amnésico na relação com África. Há em Portugal uma ausência de reflexão séria sobre o colonialismo, de como está fossilizado nos nossos corpos e ainda respalda nas relações entre as pessoas”, explica.

“Daí ao Conrad foi um passo. Encontrei no Outpost of progress (1897) um poderoso texto sobre o colonialismo, sobre a questão da alteridade e sobre a relação ambígua entre o colonizador e o colonizado. O conto apresenta-se como um fortíssimo caleidoscópio que refracta a complexidade da relação colonial. Este nível de reflexão quase nunca ocorreu na ficção escrita Portuguesa”, conta.

A obra foi filmada em Angola, pais onde, segundo o realizador, “continua a ser um pouco difícil mas não é impossível uma vez que a guerra já acabou há alguns anos. Saindo de Luanda tudo se agudiza, em especial nas províncias mais longínquas, nomeadamente no Zaire, junto ao Rio Congo onde trabalhamos”.

Ainda assim, este tipo de cenário implica alguma mestria: “Tem de se improvisar com quase tudo (materiais de construção, veículos, comida, estadia). Neste particular a nossa equipa de produção fez um trabalho notável. Provavelmente o mais complicado foi encontrar o local adequado para trabalhar, uma vez que estamos a falar de uma equipa de cinema com vinte e tal pessoas e queríamos definitivamente filmar em plena floresta sub-tropical. Havia permanentes preocupações de segurança sobretudo nas filmagens nocturnas por causa de animais, cobras ou minas”.

Outra dificuldade está relacioanda com a “negociação com os poderes locais”, um problema que “está naturalmente relacionado com a questão das diferenças culturais (que curiosamente é um dos temas do filme). Em todo o caso a aceitação da população local foi muito boa, por vezes até emocionante. Integramos vários Angolanos e Congoleses como actores no filme, alguns com papéis secundários muito fortes”.

O filme é protagonizado pelos atores portugueses Nuno Lopes e Ivo Alexandre e pelo ator angolano David Caracol.

Nuno Lopes foi convidado pelo realizador quando o projeto ainda estava na fase da escrita. “É uma pessoa que se integrou plenamente no processo de construção do filme, e contribuiu imenso para o desenvolvimento do mesmo”, explica.

A cúmplicidade entre todos é realçada por Hugo Vieira da Silva:  “O Ivo foi “encontrado” um ano depois num trabalho de casting feito por mim e pelo Nuno. Mais tarde integramos o David Caracol que conheci em Luanda. Começamos a trabalhar os três juntos já em Lisboa (o David veio de Angola) e gerou-se uma cumplicidade tal que continuou no Zaire e tornou quase todos os dias de trabalho num momento mágico”.

Quando recebeu a notícia de que este seu novo trabalho marcaria presença no Berlinale , Hugo Vieira da Silva ficou extremamente satisfeito. “É sempre a garantia de que o filme vai ser visto por um público vasto e eventualmente circular mais a nível internacional. Isso é naturalmente compensador”, confessa.

Sobre os motivos que fazem desta longa-metragem algo que nínguem deve perder, o realizador realça que este “pode ter um interesse particular para a comunidade de Portugueses que vive fora de Portugal sobretudo porque são pessoas que experimentaram também essa distância em relação à cultura originária e são confrontadas muitas vezes com questões identitárias”. Além disso, salienta que, “durante a rodagem do filme gerou-se uma energia criativa contagiante e divertida que julgo vai passar para os espectadores”.

Sobre Berlim, a cidade que acolhe este certame com reconhecimento mundial, Hugo Vieira da Silva explica que, para ele, “Berlim é a a impermanêcia, o continuo movimento, a precariedade no bom sentido, a babel contemporânea… Enfim poderíamos adjectivar infinitamente… Simplesmente é muito agradável estar de volta.”

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A FESTA

Após a estreia na capital alemã foi tempo de celebrar com uma premiere-party no bar Herz em Neukölln (Weichselstr.15), a partir das 23h00, aberta a toda a comunidade lusófona e a todas as outras que quiseram festejar (open doors). Nuno Lopes foi o DJ, juntando-se à dupla de DJ’s e cineastas Brasileiros Distruktur (Gustavo Jahn e Melissa Dullius).

O filme chegará às salas de cinema em Portugal a 17 de março.

DATAS na Berlinale

Sexta-feira, 12 de fevereiroàs 19h30 – CinemaxX 4 (E)
Sábado, 13 de fevereiro às 14h00 – Akademie der Künste (E)
Segunda-feira, 15 de fevereiro às 22h15 – Cubix 9 (E)
Terça-feira, 16 de fevereiro às 22h15 – CineStar 8 (E)

 

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