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Justiça de Ferro

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Em 2002, na Oposição, o secretário-geral do PS Ferro Rodrigues – secundado pelo líder parlamentar António Costa – reclamou a demissão de um ministro de Direita que não era sequer arguido em quaisquer processos. Em 2017, no poder, imposto presidente da Assembleia da República pelas parcelas derrotadas nas eleições legislativas, falou para considerar a investigação criminal que envolveu secretários de Estado do PS, a propósito de viagens pagas pela Galp Energia, constituídos arguidos, “um absurdo” e “mistério da justiça portuguesa”. Pelo caminho, é sabido, sobraram a seu tempo considerações pós-digestivas sobre o segredo de justiça.

A Assembleia da República é um órgão de soberania. Mas os tribunais – independentes e apenas sujeitos à lei – também. Conviria que Ferro Rodrigues tivesse noção do cargo e do lugar. E não tendo, fosse capaz de pedir bom conselho.

O presidente da Assembleia da República é a segunda figura do Estado, só precedido pelo presidente da República, a quem compete substituir em circunstâncias estritas. Não se representa a si, tão-pouco ao PS. O Palácio de S. Bento não está no Largo do Rato. Menos se aceita que transforme o princípio da separação de poderes – basilar do Estado de direito democrático – no princípio da confusão de poderes.

A Assembleia da República é um órgão plural. O seu presidente não pode comentar processos judiciais em curso, cujos termos necessariamente desconhece, do mesmo modo que não se aceitariam comentários do presidente do Supremo Tribunal de Justiça sobre os deputados escolhidos pelo povo, ou a condução dos trabalhos parlamentares. Os reparos nada inocentes e intrusivos de Ferro Rodrigues sobre quem tem por próximo, só mostraram mais ostensivo o silêncio em relação a tantos outros sem filiação partidária e talvez por isso sem voz. Não pode haver uma justiça para os socialistas e uma justiça para todos os demais.

Não faltariam boas razões para que Ferro Rodrigues tivesse agido de forma diferente. Considerações de natureza constitucional, sentido de Estado, recato inerente às funções, ponderação de bom senso que fosse. Acontece que, como se vê, manifestamente, a independência da justiça não cabe no conceito da ética dita republicana, que certa Esquerda, sempre que pode, enaltece nos discursos de circunstância.

A Assembleia da República já contou com extraordinários presidentes socialistas. Ferro Rodrigues só precisa de lhes seguir o exemplo. Saudades de Almeida Santos. Saudades de Jaime Gama.

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