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Jesus, o perfeito supremacista branco e o eunuco etíope

Dear “Christian” white supremacists: your Saviour is a dark-skinned Jewish men from the Middle East who spoke Aramaic. His mom was Jewish too.

James Martin, SJ

 

Iria já longo o principado de Augusto em Roma quando terá nascido Jesus, filho de Maria. Pouco se sabe da vida desta que viria a ser uma das mais importantes figuras da História da Humanidade, por muitos visto como Filho de Deus.

Contudo, e ao contrário, muito sabemos sobre essa época. Tal como hoje em dia, os tempos de Augusto eram de oportunidade e de drama. Num quadro de verdadeira globalização no Mediterrâneo Oriental, com imensas metrópoles com gentes de todas as origens, havia uma fatia da população que se adaptara e vencia nesse caldo cultural onde as identidades se diluíam, e havia quem, talvez a esmagadora maioria, sobrevivia ou morria desejando que o mundo fosse outro, vendo o demónio em tudo, desejando o fim dos tempos.

Jesus nasce num contexto ainda mais específico e complexo, onde ao parágrafo anterior há que juntar o facto de o judaísmo do séc. I e.c. estar profundamente marcado pelas questões de pureza religiosa que caracterizavam todo o não judeu como impuro, indigno, impróprio. De resto, pululavam as religiões iniciáticas que dividiam o mundo espiritual entre os que estavam dentro da salvação obtida pelos ritos e os que estavam fora, perdidos.

Ora, e apesar de alguns trechos de interpretação mais complexa, se há dominante que podemos encontrar nos discursos de Jesus, é exactamente a negação de toda a forma de segregação, fosse ela entre judeus e gentios, entre homens e mulheres, entre origens ou geografias ou, ainda, tons de pele.

Por diversas vezes Jesus se opõe à mentalidade primária da época de punir o que é diferente, de punir quem vai conta a moral dominante, ou, simplesmente, de não estar à mesa com romanos, isto é, com gentios. Tudo isso Jesus fez. Com todos comeu, com todos caminhou, a todos ajudou.

E, obviamente, nesse corolário, não é de estranhar que a doutrina religiosa que ele monta e que Paulo desenvolve, seja verdadeiramente universalista, aberta a toda a humanidade. De resto, há um episódio descrito no Novo Testamento, no livro Actos dos Apóstolos, onde se relata uma das primeiras conversões ao movimento então frágil dos que sobreviveram à morte de Jesus.

Nesse episódio, diz-se que Filipe, talvez a figura mais importante na comunidade pré-cristã da época, é levado pelo Espírito Santo para uma pista caravaneira, onde se cruza com um eunuco, alto-funcionário da rainha etíope. Para espanto, lia um texto bíblico do profeta Isaías, e pediu a Filipe ajuda para o compreender. Conhecendo a mensagem de Jesus, junto de uma poça de água, faz a derradeira pergunta: “Que impede que eu seja baptizado?” (8; 36). Converte-se de imediato e é baptizado.

Mas a pergunta deste eunuco é fundamental e não é simples retórica. É marca profundamente ideológica. Este que é um dos primeiros convertidos ao cristianismo, não sendo judeu de origem, tinha em si tudo o que os preconceitos religiosos abominavam: era presumivelmente negro, era estrangeiro, e tinha uma sexualidade não normal, era eunuco – isto para além de, ao não ser judeu, ser impuro!

É da maior desonestidade intelectual, do mais profundo sentido de desrespeito, de uma indizível infantilidade colocar o cristianismo e a sua figura fundadora como base das justificações supremacistas brancas. Termino recuperando as palavras do Pe. Jesuíta James Martin: Jesus não era branco, era judeu, e não falava inglês. Era um judeu cosmopolita, que cruzava culturas, e que veio democratizar a ideia de que todo o ser humano pode ter a vida eterna. Acredite-se na sua mensagem, ou não. Ela foi um imenso avanço civilizacional.

E isto não é religião, é o que de fundamental a religião cristã deixou à nossa cultura.

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